Um dos confortos de ser educado em Portugal até há
muito pouco tempo era não receber doses sistemáticas
e programadas de educação moral ou sexual na escola.
Era a vantagem e a liberdade de não cairmos nas mãos
de um qualquer catequismo, sujeitos à orientação
superior de burocracias e ministérios. No caso do
sexo, a abstinência foi particularmente bem-vinda,
porque nos permitiu ir descobrindo a coisa com um
misto de curiosidade, prazer e ignorância.
Antes assim. Nem os nossos pais, que têm poderes que
não tem o Estado, libertários só no papel, se
atreveram a quebrar excessivamente essa regra. Para
o bem de todos, souberam conter-se. Não que
transformassem o sexo num acto terrífico. Acontece
que também não faziam dele um tema livre. Não há
aqui receio, soluções perfeitas. Mas esta até que
nem funcionou mal.
Por isso encaro o início deste ano escolar com
suspeição. Não irei apregoar catástrofes e fico-me
pela suspeição. O novo ano lectivo torna a educação
sexual obrigatória nas escolas. Os novos jovens
terão aquilo a que a maioria de nós foi poupada: um
tutor sexual ensinando conteúdos específicos para os
diferentes ciclos de ensino. Já circulam kits
sortidos para a pedagogia. No PÚBLICO de domingo
abria-se um pouco o livro sobre o que pode ser esta
educação. "Educação para a sexualidade e para os
afectos", diz uma coordenadora. Mas isso é dizer
nada. É também como diz a lei que menciona o
objectivo de "valorizar a sexualidade e afectividade
entre as pessoas no desenvolvimento individual,
respeitando o pluralismo das concepções existentes
na sociedade portuguesa". Se se chega a este ponto
de ter de respeitar o "pluralismo das concepções da
sociedade portuguesa" (que pluralismo?), é caso para
pensar que esta nova disciplina será tudo menos
inócua. Mas será o quê?
Estive a viajar na Holanda este Verão por motivos
variados. Na Holanda, como se sabe, muita coisa é
livre e o sexo também é livre. O modelo de educação
sexual dos holandeses deve ser o mais ambicioso e
explicativo do mundo. Então encontrámos rapazes de
nove anos que aprendem num programa de desenhos
animados sobre como devem masturbar-se; outros que
recebem pénis desenhados em cadernos para colorir;
uma rapariga de 12 que está a conhecer as posições
sexuais do catálogo; e outro, já adolescente, que
explicava a um jornalista (lido no Times) que "o
sexo anal dói no princípio mas se persistirmos pode
ser bastante agradável".
A Holanda é a vários títulos um país admirável. E
tem uma taxa de gravidez adolescente que
impressiona, embora os especialistas relacionem o
facto mais com a estabilidade dos casais do que com
a educação sexual. No entanto, com toda esta
educação afirmativa para a sexualidade, digo-vos que
nunca conheci sociedade mais assexuada do que a
Holanda. O sexo é tão chato na Holanda, tão sem
risco ou imoralidade, que não admira que as pessoas
pensem noutras coisas e programem a vida íntima como
uma lista de compras. As holandesas marcam na agenda
os dias da semana em que têm intercurso com os
maridos. Os maridos preparam-se para o ritual como
para uma disciplina. Os holandeses esmeraram-se em
tornar o sexo educável. No caminho também mataram
metade da piada.
Millôr Fernandes, o genial humorista brasileiro,
octogenário sexogenário, bem avisava: "A educação
sexual vai transformar o sexo num negócio tão chato
que as pessoas vão preferir chupar um Chicabom na
porta do Bob"s." E concluía: "Educação sexual é
apenas uma outra forma de repressão".
Que há negócios que temos preferencialmente de
descobrir por nós próprios, antes de qualquer
educação formal e selectiva sobre elas, não me
parece digno de grandes polémicas. Faz parte da
construção normal da individualidade e da
moralidade. Sem o direito de posse absoluta sobre as
experiências íntimas de cada um, o mundo seria um
lugar de susto. Seria até um lugar repressivo. Não
nos roubem isso, ó educadores sexuais do meu país.
Jurista