Liberdade, concorrência e regulação: o caso do
ensino Fernando Adão da Fonseca
A concorrência saudável e transparente só perdura se
existirem regras. Regras que cabe ao Estado impor
A concorrência saudável e transparente não é um
objectivo em si mesmo, mas é uma condição sine qua
non para a existência de liberdade. Liberdade que é
liberdade de escolha. É que não há liberdade de
escolha se não houver concorrência. Como também não
há concorrência se não houver liberdade de escolha.
Esta liberdade de escolha tanto terá de ocorrer do
lado da procura como do lado da oferta. Do lado da
procura, significa poder escolher o projecto de
educação e, portanto, poder escolher a escola. Do
lado da oferta, significa poder criar escolas e
utilizar a pedagogia e a organização das aulas em
que os professores acreditam, desde que garantam aos
alunos a obtenção dos conhecimentos e competências e
satisfaçam os requisitos de qualidade exigidos pela
sociedade.
As principais vantagens da concorrência entre
escolas são as seguintes: (i) as escolas passarão a
estar mais atentas à qualidade do serviço que
prestam, pois um mau serviço conduzirá à perda de
alunos e eventualmente ao seu fecho, e as escolas
tudo farão para recuperar a qualidade; (ii) as
escolas poderão optar pelos métodos pedagógicos e
carga horária que os seus professores acreditam ser
mais adequados para cada um dos seus alunos, e os
professores readquirirão o papel central que lhes
cabe no ensino; e (iii) a mudança e o progresso do
ensino, que as transformações na sociedade cada vez
mais exigem, passarão a ser feitos gradualmente e
com flexibilidade, através das experiências vividas
nas escolas e não por comando centralizado a partir
de gabinetes desconhecedores da realidade dos alunos
e das suas concretas necessidades.
É, todavia, necessário ter presente que a
concorrência saudável e transparente não é garantida
apenas pelo encontro entre a procura e a oferta,
algo que é sabido desde sempre mas que muitos
insistem em não querer perceber, como se a
concorrência e a regulação fossem adversárias entre
si, esquecendo que esta, quando bem feita, é aliada
daquela. A concorrência exige regras e o seu
cumprimento tem de ser garantido. Este facto, vale a
pena lembrar, constitui uma das mais importantes
asserções de Adam Smith, o pai da economia moderna e
o mais importante teórico do liberalismo. A
concorrência saudável e transparente só perdura se
existirem regras. Regras que, quando necessário,
cabe ao Estado impor. Por outras palavras, a
regulação, e portanto o Estado, são necessários à
concorrência. A regulação, e portanto o Estado, são
necessários à liberdade. Mas não um Estado qualquer.
Não uma regulação em que regulador e regulado sejam
o mesmo. Não um Estado que seja árbitro e jogador ao
mesmo tempo. No campo da educação, isto significa
dizer "não" a um Estado que pretenda ser
simultaneamente garante e juiz da qualidade da
educação e gestor das escolas - transformadas, neste
caso, em braços do regulador que as regula. Diz a
experiência que, quando o Estado é simultaneamente
regulador e regulado, deixa de haver autonomia entre
as duas funções e as escolas passam a viver ora sem
controlo e em total desgoverno e perda de qualidade,
ora amordaçadas pelo autoritarismo do "senhor
feudal", conforme o pendor mais ou menos
disciplinador deste. Um bom "senhor feudal" pode
conseguir melhorias temporárias, mas as melhorias
não são sustentáveis no médio prazo. E a tragédia de
um ensino sem qualidade traduz-se em crianças e
jovens sem futuro.
Que regulação é necessária num quadro em que o
Estado exerce a sua função reguladora e as escolas
apenas são obrigadas a cumprir os requisitos de uma
concorrência saudável e transparente? Apontamos
apenas algumas das características a que devem
obedecer as escolas - sejam elas do Estado ou
privadas - que queiram candidatar-se a fazer parte
de uma verdadeira rede de serviço público de
educação:
1. O Estado deve financiar todas as escolas que
prestam o serviço público de educação, utilizando a
mesma fórmula de cálculo para todas - sejam elas do
estado ou privadas.
2. As escolas que prestam o serviço público de
educação tanto podem ser privadas como do Estado,
mas estas não podem ser geridas pela mesma entidade
que exercer a função reguladora e fiscalizadora.
3. As escolas que prestam o serviço público de
educação não podem cobrar aos alunos qualquer valor
pela componente obrigatória do ensino.
4. Em caso de sobrelotação, as escolas que prestam o
serviço público de educação são obrigadas a actuarem
solidariamente entre si na garantia de preferência
aos alunos da área de residência e aos irmãos.
5. Deve existir uma Inspecção com fortes poderes
regulatórios e de fiscalização da legalidade, cujos
relatórios devem ser públicos.
6. A avaliação externa da qualidade do ensino, com
divulgação pública de resultados, deve basear-se,
essencialmente, no diferencial de conhecimentos e
competências que a escola consegue dar aos seus
alunos entre o momento de entrada e de saída de cada
ciclo, através de provas nacionais. Fórum para a
Liberdade de Educação (www.liberdade-educacao.org)