Público - 16 Out 08

 

Liberdade, concorrência e regulação: o caso do ensino
Fernando Adão da Fonseca

 

A concorrência saudável e transparente só perdura se existirem regras. Regras que cabe ao Estado impor

 

A concorrência saudável e transparente não é um objectivo em si mesmo, mas é uma condição sine qua non para a existência de liberdade. Liberdade que é liberdade de escolha. É que não há liberdade de escolha se não houver concorrência. Como também não há concorrência se não houver liberdade de escolha.

 

Esta liberdade de escolha tanto terá de ocorrer do lado da procura como do lado da oferta. Do lado da procura, significa poder escolher o projecto de educação e, portanto, poder escolher a escola. Do lado da oferta, significa poder criar escolas e utilizar a pedagogia e a organização das aulas em que os professores acreditam, desde que garantam aos alunos a obtenção dos conhecimentos e competências e satisfaçam os requisitos de qualidade exigidos pela sociedade.

 

As principais vantagens da concorrência entre escolas são as seguintes: (i) as escolas passarão a estar mais atentas à qualidade do serviço que prestam, pois um mau serviço conduzirá à perda de alunos e eventualmente ao seu fecho, e as escolas tudo farão para recuperar a qualidade; (ii) as escolas poderão optar pelos métodos pedagógicos e carga horária que os seus professores acreditam ser mais adequados para cada um dos seus alunos, e os professores readquirirão o papel central que lhes cabe no ensino; e (iii) a mudança e o progresso do ensino, que as transformações na sociedade cada vez mais exigem, passarão a ser feitos gradualmente e com flexibilidade, através das experiências vividas nas escolas e não por comando centralizado a partir de gabinetes desconhecedores da realidade dos alunos e das suas concretas necessidades.

 

É, todavia, necessário ter presente que a concorrência saudável e transparente não é garantida apenas pelo encontro entre a procura e a oferta, algo que é sabido desde sempre mas que muitos insistem em não querer perceber, como se a concorrência e a regulação fossem adversárias entre si, esquecendo que esta, quando bem feita, é aliada daquela. A concorrência exige regras e o seu cumprimento tem de ser garantido. Este facto, vale a pena lembrar, constitui uma das mais importantes asserções de Adam Smith, o pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo. A concorrência saudável e transparente só perdura se existirem regras. Regras que, quando necessário, cabe ao Estado impor. Por outras palavras, a regulação, e portanto o Estado, são necessários à concorrência. A regulação, e portanto o Estado, são necessários à liberdade. Mas não um Estado qualquer. Não uma regulação em que regulador e regulado sejam o mesmo. Não um Estado que seja árbitro e jogador ao mesmo tempo. No campo da educação, isto significa dizer "não" a um Estado que pretenda ser simultaneamente garante e juiz da qualidade da educação e gestor das escolas - transformadas, neste caso, em braços do regulador que as regula. Diz a experiência que, quando o Estado é simultaneamente regulador e regulado, deixa de haver autonomia entre as duas funções e as escolas passam a viver ora sem controlo e em total desgoverno e perda de qualidade, ora amordaçadas pelo autoritarismo do "senhor feudal", conforme o pendor mais ou menos disciplinador deste. Um bom "senhor feudal" pode conseguir melhorias temporárias, mas as melhorias não são sustentáveis no médio prazo. E a tragédia de um ensino sem qualidade traduz-se em crianças e jovens sem futuro.

 

Que regulação é necessária num quadro em que o Estado exerce a sua função reguladora e as escolas apenas são obrigadas a cumprir os requisitos de uma concorrência saudável e transparente? Apontamos apenas algumas das características a que devem obedecer as escolas - sejam elas do Estado ou privadas - que queiram candidatar-se a fazer parte de uma verdadeira rede de serviço público de educação:

 

1. O Estado deve financiar todas as escolas que prestam o serviço público de educação, utilizando a mesma fórmula de cálculo para todas - sejam elas do estado ou privadas.

 

2. As escolas que prestam o serviço público de educação tanto podem ser privadas como do Estado, mas estas não podem ser geridas pela mesma entidade que exercer a função reguladora e fiscalizadora.

 

3. As escolas que prestam o serviço público de educação não podem cobrar aos alunos qualquer valor pela componente obrigatória do ensino.

 

4. Em caso de sobrelotação, as escolas que prestam o serviço público de educação são obrigadas a actuarem solidariamente entre si na garantia de preferência aos alunos da área de residência e aos irmãos.

 

5. Deve existir uma Inspecção com fortes poderes regulatórios e de fiscalização da legalidade, cujos relatórios devem ser públicos.

 

6. A avaliação externa da qualidade do ensino, com divulgação pública de resultados, deve basear-se, essencialmente, no diferencial de conhecimentos e competências que a escola consegue dar aos seus alunos entre o momento de entrada e de saída de cada ciclo, através de provas nacionais. Fórum para a Liberdade de Educação (www.liberdade-educacao.org)