A família, a diferenciação de género e o futuro
da sociedade Rita Lobo Xavier
Os pares do mesmo sexo representam opções
insusceptíveis de serem convertidas em modelos para
uma sociedade
A propósito de um projecto em debate na AR para
admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo,
temos assistido ao desenvolvimento de uma
argumentação que situa o tratamento desta questão no
quadro das liberdades e da igualdade, concretamente
no plano das discriminações fundadas na "orientação
sexual". Na realidade, uma coisa é sustentar que as
pessoas enquanto tais não podem ser objecto de
discriminação com esse fundamento; outra coisa
diferente é pretender que entre duas pessoas do
mesmo sexo pode constituir-se uma relação familiar
pelo casamento. No clima igualitário da cultura
actual, rejeita-se agora a diferenciação
masculino/feminino, que se pretende converter numa
questão de gostos e preferências subjectivas. E já
que o género, a diferença entre o homem e a mulher,
seria umpura construção social, no limite, poderia
construir-se uma relação familiar de sexo igual.
Se é certo que nas sociedades
que nos precederam muitos dos elementos
diferenciadores de género, culturalmente
determinados, foram mutáveis, a verdade é que é
fundamental que a diferença específica e essencial
entre os sexos se mantenha na célula familiar
básica, para a própria sobrevivência da sociedade. A
família humana forma-se a partir do género sexual
que lhe dá vida, não é possível constituir família
com um género indiferenciado. É também uma evidência
que a diferença sexual (biopsíquica-afectiva) é
funcionalizada à geração dos filhos e, nesta, a
diferença de sexos não é irrelevante.
A reivindicação da irrelevância da diferenciação de
género para efeito da constituição da relação
familiar conjugal apenas vê a questão de um ponto de
vista muito particular, e não na perspectiva geral
da organização familiar: procura-se um eventual
benefício para a comunidade homossexual, existindo
uma legítima intenção de eliminar as injustas e
indignas reacções homofóbicas. Mas, de facto, os
pares do mesmo sexo, por muito que possam
subjectivamente "sentir-se família", na realidade
apenas desenvolvem relações íntimas de afecto, na
medida em que a diferença de género é anulada, como
é anulada a função procriadora da relação.
Para além de estas situações se verificarem em
termos estatísticos muito reduzidos relativamente à
totalidade da população, são circunstâncias muito
particulares que não podem ser sociologicamente
generalizadas, sob pena de envolverem alterações
nocivas e destruidoras da própria sociedade. Com
efeito, tais relações inviabilizam a geração dos
filhos, que, quando muito, só poderia ser "técnica"
(PMA com dador) ou "jurídica" (adopção de filhos de
outrem), e sempre apartada da existência de um casal
reprodutor que constitui uma relação com o procriado
e se responsabiliza pela sua socialização.
A reflexão sobre o reconhecimento jurídico de uma
relação como familiar tem de ter em consideração
que, na fenomenologia social actual, os pares do
mesmo sexo representam opções e projectos de vida
muito particulares insusceptíveis de serem
convertidos em modelos para uma sociedade. Quem
escolhe constituir um projecto de vida com outra
pessoa do mesmo sexo renuncia àquela reciprocidade
de sexos que promove o filho, rejeitando a exigência
indispensável da reposição geracional: que nasçam
crianças, expressão de uma relação interpessoal
entre os pais, e que estes assumam, por isso, a
responsabilidade primária socializadora da mesma.
Assim, por muito atraente que seja a aspiração
igualitária, bom seria que os representantes do povo
português no Parlamento tivessem sobretudo em conta
as consequências do seu voto para o futuro da
própria sociedade. Professora da Faculdade de
Direito da Universidade Católica Portuguesa