Público - 14 Out 06

Academia Sueca premeia o "banqueiro dos pobres"
Por Dulce Furtado

 

O economista e banqueiro Muhammad Yunus, criador do conceito de microcrédito do qual beneficiam 500 milhões
de pessoas em todo o mundo, sempre acreditou que o fim da pobreza conduz ao fim dos conflitos.
A Academia Sueca concorda e atribuiu-lhe o Prémio Nobel da Paz 2006.

 

Muhammad Yunus vai dar a parte que lhe cabe (metade) dos 1,1 milhões de euros que a Academia Sueca lhe atribuirá por ontem o ter escolhido Prémio Nobel da Paz 2006, a par do Grameen Bank, à instituição financeira de microcrédito que este banqueiro do Bangladesh fundou há três décadas. É a primeira vez que o economista dá dinheiro. Sempre fez questão de que todos soubessem que jamais deu, dá ou dará resposta a qualquer pedinte que lhe estenda a mão. Mas já emprestou (4500 milhões de euros) a mais de 6,6 milhões de pobres para que possam criar pequenos negócios e construir uma vida melhor.
A doação irá para "boas causas", explicou ontem Yunus, depois de ter recebido a notícia em casa, na capital do Bangladesh, Daca. "Utilizarei o dinheiro para financiar a nossa sociedade na área agro-alimentar, de maneira a que os pobres possam consumir alimentos altamente nutritivos a um preço acessível", precisou.
Mais. Parte do dinheiro do prémio permitirá também criar um hospital oftalmológico e um projecto de tratamento de água, avançou o laureado: "Darei o dinheiro todo a essas empresas que terão um propósito totalmente social, ou seja, sem fins lucrativos."
Com a atribuição deste prémio, a "enorme tarefa que está pela frente para erradicar a pobreza do mundo" ganhará visibilidade, considerou Yunus, defendendo que, por este caminho, poder-se-á chegar à paz. A Academia Sueca, claramente, concordou, reconhecendo os méritos da filosofia deste banqueiro, de ajudar os pobres a ajudarem-se a si próprios, e do trabalho desenvolvido, desde 1976, pelo Grameen Bank - o qual, actualmente, é propriedade dos pobres rurais aos quais faz os seus empréstimos (90 por cento das acções pertencem aos clientes da instituição e os restantes dez por cento ao Governo do Bangladesh).

Nobel do Desenvolvimento?
Ao recompensar o trabalho feito por um artesão da luta contra a pobreza, o comité do Nobel quis desbravar um novo terreno - até aos meandros do desenvolvimento - depois de já ter reconhecido, ao longo de mais de dez décadas, os trabalhos feitos nas áreas dos direitos humanos, da assistência humanitária e do ambiente. E com esta escolha, os cinco guardiões do Nobel quiseram dizer ao mundo que para instaurar a paz já não chega pôr fim às guerras, antes que é absolutamente necessário atacar as razões dos conflitos.
A comunidade internacional acolheu de muito bom grado a atribuição do Nobel a Yunus. Foi uma "excelente escolha", considerou a secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice. O secretário-geral cessante das Nações Unidas, Kofi Annan, disse estar "encantado" e Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, felicitou o laureado pelo "merecido" galardão. Algumas vozes críticas veladas se fizeram ouvir, como a do ex-Presidente finlandês, Martti Ahtisaari, que se perfilava como um dos principais favoritos a este prémio, por ter negociado, em 2005, o acordo de paz entre o Governo indonésio e o Movimento do Aceh Livre: "[O Nobel da Paz] foi com certeza dado a uma boa causa, mas é difícil de dizer se foi para a boa causa. Talvez seja pertinente instituir um prémio especial para o desenvolvimento."