O teorema de A canção de Lisboa
João César das Neves
Portugal está em crise. Mas qual crise? Estamos em
crise há dez anos e esta é nova. Para compreender
isto temos de separar duas coisas diferentes. A
nossa primeira doença é a obesidade. Esta é a crise
antiga, que vem da década de 90 e nunca mais se
resolve. Portugal está balofo. Comeu mais do que
devia e tem problemas de coração, digestão e
locomoção por excesso de peso. Perdeu
competitividade, empolou o orçamento, divergiu da
Europa. A dívida total do país ao exterior (posição
de investimento internacional) era de 8% do produto
nacional em 1996. Em 2008 atingiu os 100%, sendo
metade dívida pública. Isto é viver acima das
posses, comendo mais do que devia!
O problema já fez fugir dois primeiros-ministros, o
terceiro não teve tempo de fugir e o actual ainda
não se sabe se fugirá. A história é fácil de contar.
Com o eng. Guterres, que entrou em 1995, o País
comeu à farta e engordou à grande. Em 2001, com a
dívida já nos 50% do PIB, ele foi ao médico, recebeu
o diagnóstico e... fugiu para a ONU. Depois veio o
dr. Barroso, que leu a dieta e comprou fruta, mas em
2004, com a dívida nos 65%, fugiu para a UE. O dr.
Santana Lopes disse que "gordura é formosura" e
puseram-no fora. Tão depressa que nem mudou os 65%.
O eng. Sócrates prometeu jejum, fez lipoaspiração,
mas continuou a comer. Chegou-se aos 100%.
O nosso principal problema é esta terrível
obesidade. Ou melhor, era. Porque de repente
aconteceu algo que trouxe novos sintomas. O que
sucedeu foi uma coisa impossível: uma epidemia
mundial de tuberculose infecciosa, uma doença que
não se via desde os anos 1930. De repente, a tísica
tornou-se tão dominante que temos de comer muito
para ganhar forças. Para um país como Portugal isto
dá a confusão. Agora o cardiologista exige dieta
enquanto o pneumologista aconselha refeições
reforçadas para curar a fraqueza. Que podemos fazer?
A resposta política é evidente. A prioridade neste
momento tem de ser o emprego e para isso devemos
usar dois instrumentos principais: orçamento e
salários. Na despesa pública é preciso gastar, mas
com cuidado. Devemos ajudar desempregados, empresas
e pobres e é preciso salvar empregos viáveis. Mas
tudo isto com o mínimo de gastos, por causa da
obesidade. Relativamente aos salários é preciso
moderação para enfrentar a crise, recuperar
competitividade e fazer partilha justa dos
sacrifícios. O dr. Silva Lopes, em conferência
recente, chegou a recomendar congelamento salarial.
Tudo isto é muito bonito mas completamente fictício.
Porque a real prioridade política este ano não será
o emprego mas as eleições. A questão obsessiva serão
três sufrágios. Por isso a política , nos dois
instrumentos referidos, será muito diferente. Na
despesa pública o que se fará é gastar, gastar,
gastar, principalmente no que der votos. Nos
salários, nos salários... bem... eh... vamos casar
os homossexuais e pode ser que isso nos distraia.
Quer dizer que estamos perdidos? Claro que não.
Apenas significa que não podemos contar com os
políticos, coisa que sabemos desde a primeira
dinastia. Entretanto, a economia e a sociedade terão
de ir fazendo o necessário. Nesse sentido, a
tuberculose até cria condições favoráveis para
combater a obesidade. O novo rating e as taxas de
juro superiores da dívida nacional implicam que a
dieta será feita, quer se queira, quer não. É
verdade que vem na pior altura, porque agrava as
dificuldades da crise conjuntural. Mas isso também é
algo que sabemos desde sempre. Quando as coisas são
fáceis, metemo-nos em sarilhos, e só pomos a casa em
ordem quando não há alternativa.
Este é o "teorema d'A Canção de Lisboa", formulado
brilhantemente no primeiro filme sonoro português de
1933 de José Cottinelli Telmo. O "Vasquinho da
Anatomia" só começou a estudar quando perdeu a
mesada das tias. Nessa altura, quando tudo parecia
perdido, deu a volta por cima e, com fado e um copo
de tinto, até aprendeu o esternocleidomastoideu. É
assim Portugal. Este teorema, aplicado em 1383,
1640, 1755, 1851, 1917, 1977 e 1983, será renovado
em 2009.