O cirurgião responde às afirmações de Edite
Estrela sobre o aborto. Lembra que uma meia-verdade
consegue ser ainda mais enganadora, do que uma
completa mentira
O recente referendo sobre o aborto fez-me recordar
um velho filme intitulado ‘Com a verdade me
enganas’. Vem isto a propósito das afirmações da
dra. Edite Estrela (uma das ‘estrelas mediáticas’ do
Movimento pelo ‘sim’... ), nos comentários que se
seguiram ao conhecimento dos resultados do referendo
e que, aliás, tinha sido usado na campanha que o
precedeu.
Já um conhecido político inglês, (Benjamin Disraeli
1804-1881), afirmara que as estatísticas podem
representar a maior das mentiras. E a realidade é
que, uma meia-verdade consegue por vezes ser ainda
mais enganadora, nefasta e perversa, do que uma
completa mentira.
Afirmou a dra. Edite Estrela, ao querer contestar a
minha afirmação (baseada nos números oficiais do
Eurostat), que a liberalização do aborto levou
sempre ao aumento do seu número... que tal não era
verdade!
E deu como exemplo a Dinamarca (já que em relação
aos números de Espanha não se quis pronunciar,
certamente por saber que não lhe eram favoráveis e
por larga margem…, já que, acreditamos, tenha
estudado o assunto, antes de se meter a fazer
campanha pelo ‘sim’).
Para ver quem, esperemos que inadvertidamente,
enganou quem, basta citar que Edite Estrela se
referiu ao número de abortos praticados após a lei
de aborto a pedido (1973) ser implementada,
‘esquecendo’ que, embora com algumas regras, havia
uma lei anterior que já o permitia, e essa, datada
de 1959!
Ora, foi após essa lei, que “o aborto aumentou
drasticamente”, passando de 3918 em 1960 para 24.868
em 1973 (ou seja, aumentou 635%!). E também parecerá
evidente que a proporção de nascimentos/abortos terá
sempre que atingir um limite superior, dificilmente
ultrapassável. Isto sem falar já, que a introdução
da chamada pílula do dia seguinte fará com que
muitos dos abortos, praticados sem recurso aos
hospitais, fiquem por declarar: e assim o número
destes parecerá diminuir! E nem sequer vale a pena
referir, de tão óbvio, que até um melhor planeamento
familiar e uma melhor contracepção, deveriam, só por
si, ter tido o mesmo efeito!
De facto, em 2005 o número de abortos registados foi
de 15.103 (‘apenas’ 385% mais do que em 1960!). Mas,
se a proporção abortos/nascimentos era de 4,9% em
1960 e em 1973 de 27,9%, não podem restar dúvidas
sobre ‘os reais efeitos’ da facilitação do aborto.
Em 2005 a percentagem foi registada como sendo de
19%. Porém, esta aparente diminuição não esclarece
que a natalidade em 1983 foi de apenas 50.822
(contra 71.321 em 1973) e que portanto as mulheres
na idade mais fértil (entre os 20 e os 35 anos) eram
em 2005, em muito menor número: Tomando isso em
consideração facilmente se conclui que a verdadeira
percentagem nascimentos/abortos, será, de facto,
muito semelhante à de 1973 (27,9%).
Cirurgião Pediátrico e Plástico, ex-presidente da
Ordem dos Médicos e da Associação Médica Mundial