Portugal Diário - 12 Mai 09

 

«Crise está para a democracia como a guerra para o Estado Novo»
Medina Carreira não tem dúvidas: nem na grande crise dos anos 30 estávamos tão mal como agora. «Estamos mais ou menos como estávamos no final da Monarquia»

 

Medina Carreira considera que a crise económica actual vai ter um grande peso nas gerações futuras. No encerramento do 7º ciclo de debates do Clube dos Pensadores, em Gaia, realizado na segunda-feira à noite, o ministro das Finanças do I Governo Constitucional revelou estar pessimista quanto à recuperação da crise financeira em Portugal.

 

«A crise económica está para a democracia como as guerras de África para o Estado Novo». O impacto da crise, para Medina Carreira, abrange um perímetro mais alargado «porque não temos uma crise, temos várias».

 

Para além da crise económica, o economista acredita estarmos perante «uma crise moral da elite financeira» e uma «crise social que resulta do desemprego e da insegurança como consequência»; «como nunca se sabe quem é o responsável todos levam por tabela».

 

Numa «economia que quase não cresce» e onde a «capacidade geral de riqueza estagnou», o «desemprego é altamente preocupante»: «Estamos mais ou menos como estávamos no final da Monarquia». Medina Carreira acrescenta que mesmo «entre os anos 30 a 40, altura da grande crise económica, estávamos melhores do que agora».

 

Apesar de garantir que «a crise cá dentro já existia antes de chegar a de lá de fora», certo é que quando a crise internacional acabar «seremos postos à prova de uma forma dramática». Medina Carreira explica: «Quando se resolver lá fora, resolve-se cá, mas os estragos do passado ficam».

 

O motivo do pessimismo prende-se com o facto de no momento «a produtividade ser baixa», por «sermos pouco competitivos» e por «termos salários baixos, resultado da baixa produção».

 

Ao contrário dos anos 60 «quando beneficiávamos de mão de obra barata», nos dias de hoje o «empresário inteligente vai para o Leste» porque «quem investe faz contas» e, neste momento, Portugal é um país pouco atractivo para a abertura de empresas estrangeiras que procuram lugares periféricos na busca de maior margem de lucro, recorrendo a mão-de-obra não qualificada.

 

Com desta estratégia, recorda, «nos anos 60, suportamos a guerra em África sem dívida».

 

«Gastar dinheiro em autoestradas é o mesmo que gastar em Magalhães: não serve para nada»

 

O fiscalista considera que a entrada do euro tirou a Portugal poder de decisão no equilíbrio da economia nacional e explicou que «quando desvalorizávamos o escudo ganhávamos». Com o euro estes ajustes já não são possíveis e a dívida pública aumentou cerca de 35 milhões de euros por dia nos últimos dez anos.

 

No sentido de incentivar o crescimento económico desaconselha o investimento na construção de obras como autoestradas para abrir oportunidades de emprego e consequente aumento do consumo.

 

Medina Carreira acredita que «gastar dinheiro em autoestradas é a mesma coisa que gastar dinheiro em Playstations ou em Magalhães, não serve para nada».

 

«Quando acabarmos estas obras somos o quinto ou sexto país com mais autoestradas no mundo», garantiu; teremos quase tantas como um país muito maior como é a Alemanha.

 

Futuro da economia

 

Medina Carreira teme o aumento de «desemprego, desigualdades, insegurança» e «mais estragos que se vão juntar aos já existentes». Num futuro próximo «podemos vir a ter juros mais altos ou ver os empréstimos cada vez mais racionados». Mas a maior preocupação é o facto de «os impostos poderem ser todos comidos pela segurança social. Será aqui que tudo se vai complicar».

 

«Vamos passar por um período de incerteza muito grande», advertiu ainda o antigo ministro das Finanças, num país onde os «Governos não são maus pais, são padrastos», são necessários «partidos novos a fazer coisas diferentes e «são precisos políticos diferentes capazes de controlarem a despesa pública».