O IDT e os insensatos que fizeram este dicionário
consideram-me seguramente conservador, desprezível e
desinteressante
Os factos são simples. O Instituto da Droga e da
Toxicodependência (IDT) elaborou ou mandou elaborar
um Dicionário do Calão, que também está disponível
num site com o sugestivo (e premonitório?) nome
tu-alinhas.pt que o IDT direcciona para crianças com
mais de 11 anos. Recordo que as principais missões
do IDT são "planear, coordenar, executar e promover
a avaliação de programas de prevenção, de
tratamento, de redução de riscos, de minimização de
danos e de reinserção social" e "apoiar acções para
potenciar a dissuasão dos consumos de substâncias
psicoactivas".
Entre as mencionadas missões não consta, portanto, a
edição e divulgação de dicionários.
Segundo a opinião de uma confederação de pais, o
citado dicionário transmite uma "imagem convidativa
das drogas". As citações de algumas definições
convencem-me: se há exagero nessa opinião é no
sentido de ser demasiado moderada para o que
constitui um inconcebível escândalo e uma
intolerável utilização de dinheiros públicos para
fins não apenas estranhos, mas opostos aos que
competem ao IDT.
Querem exemplos? Vejam (e cito do Diário de
Notícias): "curtir - sentir o prazer da droga";
"queimar - é aquecer com o isqueiro a heroína ou a
cocaína, até fazer a bolha brilhante, cativante e
vaporosa..."; "betinho, cocó ou careta - é aquele
que não consome droga e, por isso, é considerado
conservador, desprezível e desinteressante".
Perante isto o presidente do tal IDT terá informado
que este disparate foi feito com a colaboração do
Ministério da Educação (!), que "tem alguma
utilidade" (!!), que serve para os jovens não
ficarem mal informados (!!!) e para não se sentirem
menorizados por não saberem afinal o que significam
estes termos (!!!!).
Convém clarificar que sou favorável à alteração do
regime legal do consumo e da venda de drogas. Acho
que as drogas deveriam ser legalizadas,
regulamentadas, taxadas. Considero que os que caem
sob a influência de drogas devem ser tratados em
termos de saúde pública e não como criminosos. Não
estigmatizo nem nunca estigmatizarei os que se
drogam e entendo que todos temos o dever cívico de
contribuir para diminuir este flagelo. Por exemplo,
sou favorável a programas de troca de seringas nas
cadeias.
Perceber-se-á, portanto, que a minha reacção não se
baseia em preconceitos ideológicos ou em tentativa
de aproveitamento destes factos para finalidades
políticas conducentes ao reforço da penalização do
consumo de drogas.
Estou profundamente chocado, apesar da minha idade
já me ter tornado numa pessoa que começa a não se
espantar com muita coisa. O relativismo em que
vivemos e a tendência para cada notícia destruir a
anterior fez com que este assunto passasse quase sem
comentários. Em minha opinião, o que se passa com
este tipo de acção do IDT é, mal comparado, o que se
passa por vezes com antropólogos que se dedicam a
estudar povos primitivos e que, parafraseando
Camões, se transformam de "amador em coisa amada".
Realmente, muitas vezes apaixonam-se de tal modo
pelo objecto de investigação que perdem o
distanciamento e o espírito científico,
convencendo-se de que os sistemas sociais e os modos
de vida desses povos são um exemplo de perfeição que
se pode comparar com vantagem com as sociedades
contemporâneas.
Quero acreditar que o dr. João Goulão, que preside à
instituição, não é favorável à promoção do consumo
de drogas por jovens a partir dos 11 anos. Quero
mesmo acreditar que não é intelectualmente
destituído nem padece de incapacidade profunda de
discernir a realidade. Chego ao ponto de admitir que
as declarações esfarrapadas e insensatas com que nos
brindam os media não foram feitas por ele ou,
tendo-o sido, não se destinavam a gozar connosco.
Por isso, para mim do que se trata é de uma
tentativa que faz lembrar aqueles pais que julgam
que educam os filhos se optarem por infantilizar os
seus comportamentos como se tivesse dez anos, e
tentam ser "porreiros", "compinchas", "cool". Com
isso perdem o sentido da distância e não percebem
que os nossos filhos menores não precisam que os
pais sejam cúmplices nos criancices, mas da certeza
de que se precisarem de ajuda os pais não falham,
porque estão atentos, tentam evitar os erros dos
jovens e alertá-los para os riscos.
O dr. Goulão, no fundo, parece querer ser "um gajo
porreiro", um verdadeiro "mano", "estar na onda",
pois "está-se bem", "méquié", "tudo em altas", pois
está-se a "flipar". Acho que aspira mesmo a ser um "granda
boss". E que não ousem espantar-se com ele e dizer "kecenameu".
O presidente do IDT pensa que, se os dependentes da
droga o olharem como uma espécie de pai vivaço,
porreiraço, modernaço, a sua missão será mais fácil.
Não é; o efeito será precisamente o oposto.
As coisas são o que são. Por muito menos do que
isto, responsáveis políticos se demitem por esse
mundo fora. Com muito menos responsabilidade, pelas
mortes em Entre-os-Rios, demitiu-se o ministro Jorge
Coelho.
Por tudo isto arrisco ser estigmatizado na próxima
edição do já célebre dicionário. Acho que é
imperdoável o que o IDT fez, que a culpa não pode
morrer solteira e que o dr. Goulão deve ser mandado
para a vida privada para fazer os dicionários que
quiser, mas não com o dinheiro dos meus impostos.
O IDT e os insensatos que fizeram este dicionário
consideram-me seguramente conservador, desprezível e
desinteressante. Paciência. É isso que pensa este
betinho, cocó e careta. Advogado