Público - 08 Mai 08

 

Jovens
Constança Cunha e Sá

 

Os "jovens" são limitados pelo seu umbigo e pelo imediatismo dos seus interesses

 

A pretexto do discurso do Presidente da República, no 25 de Abril, os "jovens" voltaram, uma vez mais, à tona da actualidade. Como se sabe, é de bom-tom falar nos "jovens". Angustiar-nos com a sua falta de horizontes, compreender as suas preocupações, partilhar os seus entusiasmos e, naturalmente, preocuparmo-nos solenemente com o seu manifesto desprezo por determinadas actividades. Pela política, conforme referiu o Cavaco Silva, baseado num estudo sobre os jovens e a política. Mas também pela leitura ou pela música ou por qualquer outro item de natureza cultural.

 

Volta e meia, a nossa agradável rotina é sobressaltado pela divulgação de um estudo assustador que revela que os "jovens" não nutrem uma edificante curiosidade pela nossa história recente ou que mantêm as devidas distâncias em relação às artes da culinária ou aos desafios da ciência. Perante isto, não se percebe muito bem por que é que esses mesmos "jovens" se deveriam interessar pelas aventuras do eng. Sócrates ou pelas peripécias do PSD. Mas o Presidente lá terá as suas razões!

 

Pouco importa que os "jovens" sejam um segmento da população particularmente limitado pelo seu umbigo e pelo imediatismo dos seus interesses. Numa sociedade infantilizada que estigmatiza a velhice e privilegia a novidade, a juventude adquiriu um valor irrefutável que ninguém se atreve a contrariar. Os jovens estão "insatisfeitos" com a democracia? O Presidente, preocupado com essa legítima "insatisfação" e com o "autismo de uma certa classe política", apressa-se a recomendar uma "nova atitude" e uma maior "proximidade" que propiciem um saudável "clima de confiança" entre governantes e governados.

 

É verdade que, neste ponto preciso, Cavaco Silva substituiu habilidosamente os "jovens" por "cidadãos", esclarecendo que os partidos não fizeram o necessário reforço para a credibilização da vida pública". Para mais à frente poder dizer que "vender ilusões não é certamente a melhor forma de fortalecer o imprescindível clima de confiança". Mais do que um juízo sobre as promessas eleitorais que o eng. Sócrates deixou por cumprir, estas palavras parecem ser antes um aviso ao primeiro-ministro para os tempos pré-eleitorais que se avizinham. No entanto, este tipo de subtilezas não teve qualquer eco na opinião pública. Com o Governo a concordar entusiasticamente com o diagnóstico negativo apresentado pelo Presidente, o que passou para o exterior foi a angustiante confirmação de que os "jovens" não se revêem nesta democracia. Curiosamente, os dados do estudo, realizado pela Universidade Católica, oferecem uma imagem um pouco diferente. Enquanto os jovens (15 a 17 anos), esses deserdados do sistema, acreditam, na sua maioria, que a sociedade "pode melhorar com pequenas mudanças", havendo mesmo seis por cento de optimistas que consideram que a situação "está bem como está", a revolução espreita no sossego da meia-idade. Traduzindo por números, fica-se a saber que 48 por cento da população em geral consideram que essa mesma sociedade "necessita de reformas profundas" e que, por sua vez, 23 por cento acham que o cenário "deve ser radicalmente mudado". Se somarmos estes dois grupos de "agitadores", chegamos a um número significativo: 71 por cento dos portugueses querem que o país sofra, no mínimo, uma transformação de fundo ou, no máximo, uma alteração radical, seja o que for que isso queira dizer - e diga-se, desde já, que não parece que isso queira dizer nada de particularmente agradável. Os "brandos costumes", essa ficção indígena que os factos desmentem diariamente, correm o risco de ser definitivamente enfiados na gaveta onde já se encontra essa outra ficção que é o socialismo do PS.

 

Estes dados inquietantes não comoveram, no entanto, o Presidente da República: convicto da importância única dos jovens e da justa invulnerabilidade dos seus interesses, Cavaco Silva dedicou-lhes o 25 de Abril e uma retórica florida onde se misturavam harmoniosamente os preconceitos da época e os lugares-comuns da praxe. Dramatizar o afastamento entre os jovens e a política, quando a grande maioria da população portuguesa se mostra "insatisfeita" com o funcionamento da democracia, é reduzir a realidade a uma ideia feita que, como qualquer ideia feita, tem o duvidoso mérito de ser consensual.

 

Por fim, confundir o desinteresse pela política (que existe) com a manifesta ignorância da espécie, para além de se prestar aos mais lamentáveis equívocos, faz com que, em vez de um "clima de proximidade", se crie antes uma relação de promiscuidade. Se metade dos jovens inquiridos não sabe qual o número de Estados da União Europeia, desconhece quem foi o primeiro Presidente eleito após o 25 de Abril e não faz ideia se o PS tem maioria absoluta no Parlamento, o melhor que os políticos têm a fazer é pensar melhor no que se tem passado na Educação. Jornalista