Quem tem culpa da crise? Esta pergunta domina o
momento, mas não faz muito sentido. Primeiro porque
não é aquela que realmente interessa. Essa seria: o
que devemos fazer para sair da crise? Procurar
culpados é evitar soluções.
Em segundo lugar porque esta crise de facto pouco
interessa. É verdade que o país é atacado nos
mercados financeiros, com risco de perder o crédito
e até falir. Mas essa conjuntura internacional,
mesmo séria, é apenas uma circunstância agravante
numa dinâmica fatal. Portugal tem um terrível vício
estrutural que se agrava há 15 anos: a despesa do
Estado sobe sempre mais que a receita. Não é um
desacerto ocasional, mas um afastamento crescente e
imparável. Esse desvio explosivo criou o
endividamento descontrolado, estrangulamento das
empresas e dificuldades de competitividade,
desenvolvimento e desemprego. É aí que está o
problema.
Em terceiro lugar, porque a resposta à pergunta está
errada. Muitos acusam os especuladores, o euro, a
Grécia ou os EUA. Outros requentam favoritas teorias
da conspiração. A maior parte porém não tem dúvidas
que a origem está na má qualidade dos nossos
políticos. Só que numa democracia a responsabilidade
última é, não dos eleitos, mas dos eleitores.
A origem da dívida avassaladora está na ilusão
nacional. Perante a prosperidade na Europa, os
políticos prometeram e os portugueses exigiram
serviços, garantias, direitos, subsídios, regalias.
Multiplicaram-se as infra-estruturas e os apoios de
toda a ordem. Em cada caso as justificações eram
excelentes, mas tudo somado criou a evolução
incomportável. E não foram os maus que ganharam com
isto. Fomos todos. Todos insistimos e votamos a
pensar nisso.
A única solução é eliminar mecanismos automáticos,
reduzir direitos, colocar a despesa pública numa
trajectória realista. Mas isso é politicamente
impossível pois o eleitorado nunca o aceitará. Os
grupos afectados, boa gente que não quer perder,
repetem que a austeridade é indispensável mas deve
cair noutro lado. E todos concordamos com eles. Por
isso a despesa pública de 2009, em termos reais 60%
acima de 1995 e mais de sete vezes a de 1973, não se
consegue cortar.
Portugal não tem políticos maus. O mal é, pelo
contrário, que eles sejam excelentes. Para acederem
ao poder e aí sobreviverem têm de acomodar os
interesses, mesmo quando dizem enfrentá-los. Sob a
retórica, a verdadeira estratégia de Sócrates em
2010, como em 2005, Barroso em 2002 e Guterres em
2001 é simples: dado ser impossível alterar a
trajectória da despesa, enfrenta-se o défice
aumentando os impostos. Isso reduz temporariamente o
buraco, finge resolver o problema e é celebrado como
sucesso. Claro que tempos depois tudo ressurge
porque, sem mudar a aceleração, a despesa ultrapassa
sempre a receita.
Por isso estamos em austeridade recorrente há dez
anos, com um desfasamento crescente. No Orçamento de
Estado para 2001 Guterres prometeu um défice de 1,1%
do PIB, que afinal foi 4,3%. Em 2005 as contas de
Santana tinham um buraco de 2,8%, que acabou em
6,1%. No Orçamento para 2009, apresentado a 28 de
Novembro de 2008, mais de dois meses após a falência
do Lehman Brothers, Sócrates previu um défice de
2,2%. A realidade, como confessou o mesmo Sócrates
no Orçamento seguinte, ficou em 9,3%.
Agora a nova austeridade anunciada, mesmo dura,
também passa ao lado do problema. As subidas de
impostos dos sucessivos PEC, e até uma eventual
intervenção do FMI, só reduzirão pontualmente o
défice. Sem alterar a dinâmica de fundo da despesa,
sem cortar serviços e direitos, não desmontando os
mecanismos embutidos de gasto, daqui a uns anos
estaremos na mesma. O Conselho Nacional do PSD, que
se prepara para tomar o poder, afirmou a 29 de
Março: "desta vez os sacrifícios têm de valer a
pena". Mas como são todos bons políticos, isso é
pouco provável.
A solução é enfrentar com seriedade e realismo a
situação e viver ao nível da nossa produtividade,
assumindo que a austeridade indispensável começa
mesmo aqui. E aceitar isso à portuguesa. Com um
sorriso.