Hoje é Dia Mundial da Criança Muitas crianças da grande Lisboa não comem
jantar completo
Geralmente sentem-se felizes, gostam da escola e do
bairro onde vivem. Mas quase metade (45,8 por cento)
das cinco mil crianças inquiridas em sete concelhos
da Grande Lisboa dizem que sentem que a família tem
dificuldades financeiras.
Apesar de serem raras as que afirmam que não têm
comida em casa quando têm fome (2,4 por cento), só
uma pequena parcela (12 por cento) costuma fazer uma
refeição completa de sopa, prato e fruta ao jantar.
O que, segundo um grupo de investigadores, indicia
"potenciais problemas ao nível da dieta alimentar".
Chama-se "Um olhar sobre a pobreza infantil -
Análise das condições de vida das crianças" e é um
estudo de Amélia Bastos, Graça Leão Fernandes e José
Passos, do Instituto Superior de Economia e Gestão,
em Lisboa, e de Maria João Malho, do Instituto de
Apoio à Criança.
Um total de 5161 crianças da Amadora, Cascais,
Lisboa, Loures, Odivelas, Oeiras e Sintra foram
entrevistadas pessoalmente nos anos lectivos de
2004/2005 e 2005/2006. A média de idades é de nove
anos. A amostra é representativa das crianças que,
naqueles concelhos, frequentavam os 3.º e 4.º anos
do 1.º ciclo do ensino público.
Pouco tempo para os filhos
Aos seus professores foi pedido que validassem os
resultados dos inquéritos. Amélia Bastos, uma das
autoras - com um doutoramento e vários trabalhos
publicados na área da pobreza infantil - diz que não
teme que desta validação resulte algum tipo de
adulteração das respostas das crianças. Procurou-se
antes de mais, dada a faixa etária dos alunos,
garantir que alguém que os conhece bem, como o
professor do 1.º ciclo, confirmasse algumas
informações, explica.
O livro com os resultados do estudo, publicado pela
Fundação Económicas (ed. Almedina), vai ser lançado
na terça-feira, no ISEG, em Lisboa. E aborda um tema
que, segundo Amélia Bastos, "é pouco estudado em
Portugal" - onde, segundo o Eurostat, se registam
das taxas de pobreza infantil mais elevadas da União
Europeia (25 por cento em 2005).
Para os autores, a pobreza não se reduz, contudo,
aos rendimentos das famílias, que é o que o Eurostat
avalia. Optaram assim por "dar voz às crianças" de
forma a detectar, através de inquéritos, a
"existência de carências em áreas fulcrais do
bem-estar".
Comer sopa, prato e fruta antes de deitar não é um
hábito enraizado entre os inquiridos e seis por
cento diz mesmo que o seu jantar costuma ser apenas
"sopa e pão" ou então "sopa, pão e fruta". Para a
investigadora, este é um dado preocupante: "Uma
refeição completa é o que é considerado essencial
para o desenvolvimento da criança, é o que qualquer
cantina de escola oferece".
10% ajudam no trabalho
As carências económicas não explicam tudo. "O que
muitas vezes acontece é que famílias que não são
consideradas carenciadas têm a sua vida organizada
de tal forma que não têm possibilidade de suprir
todas as necessidades que a criança tem. Por falta
de tempo, de informação e de cuidado."
Poucas são também as crianças (39,3 por cento) que
vão ao médico por rotina - "Significa que não vão lá
para aquelas consultas próprias de crianças desta
idade, ver como está a altura, o peso, ver se está
tudo bem. E, uma vez mais, isto não acontece
necessariamente ou apenas nas famílias carenciadas".
"Aliás, há um dado curioso. Perguntámos às crianças
se elas se sentiam felizes." Loures tem a maior taxa
de infelicidade (7,2). "Mas a proporção de crianças
que na Amadora diz ser infeliz [6,7 por cento das
crianças] é idêntica à de Oeiras [6,3 por cento]."
A curiosidade aqui é que Amadora e Loures são os
concelhos com maior percentagem de crianças com um
índice de privação acima da média. E Oeiras é o que
tem a menor percentagem de todos - "É o concelho
onde os pais têm maiores níveis de qualificação, mas
onde, se calhar, têm menos tempo para os filhos".
Como ajudas em casa? Esta era outra pergunta às
crianças: 27,5 por cento ajudam a tomar conta dos
irmãos e dez por cento dizem que ajudam os pais nas
respectivas profissões. Trabalho infantil? Amélia
Bastos não tem elementos para responder. Mas admite
que nalguns casos, se estas crianças gastarem muito
tempo a "ajudar o pai no café, por exemplo", poderão
estar a ser prejudicadas.