Público - 28 Jun 06

REFERENDO SOBRE ABORTO EM JANEIRO

Está praticamente decidido, o referendo à despenalização do aborto será repetido em Janeiro. O Presidente está aberto a dar seguimento ao processo referendário, se este lhe chegar em condições normais da Assembleia. E o PS mantém a intenção de avançar em Setembro. Será o fim de um ciclo, iniciado há oito anos com a vitória não vinculativa do "não", um aniversário que é assinalado pelos defensores da despenalização. Por São José Almeida

O novo referendo sobre despenalização do aborto deverá realizar-se em Janeiro. A decisão última cabe ao Presidente da República, Cavaco Silva, que tem a prerrogativa constitucional da convocação do referendo, mas, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO junto dos vários intervenientes no processo, tudo aponta para que a consulta popular e a respectiva campanha se realize durante o mês de Janeiro.
É Vitalino Canas - porta-voz do PS, partido que se comprometeu já a reapresentar, em 15 de Setembro , a resolução para convocar o referendo - quem considera, em declarações ao PÚBLICO, que só em Janeiro se deverá realizar o referendo sobre o conteúdo do projecto de lei do PS, aprovado na generalidade a 20 de Abril.
"O PS sempre tem dito que a convocação do referendo compete ao Presidente da República, assim como escolher a data, se o quiser convocar. Mas aplicando com rigor os prazos da lei e tendo como base o facto de o PS ir reapresentar o projecto de resolução em Setembro, essa aplicação aponta para Janeiro", declarou Vitalino.
Também o líder parlamentar, Alberto Martins, confirma a disponibilidade do PS para fazer o que prometeu em final de 2005, quando viu o Tribunal Constitucional rejeitar a resolução da AR. "No início da próxima sessão legislativa apresentaremos um projecto de resolução para promover um referendo sobre interrupção voluntária da gravidez nos mesmos termos do que anteriormente foi submetido ao voto popular", declarou ao PÚBLICO.
Por sua vez, o primeiro-ministro e líder do PS, José Sócrates, declarou, por escrito, ao PÚBLICO, que desde 1998, "muita coisa mudou, o país e o mundo evoluíram", mas, em Portugal, "infelizmente, algo se manteve inalterado: o problema das mulheres que, constrangidas a abortar em decisões de consciência já de si do maior dramatismo e penosidade, são ainda ameaçadas de serem enviadas para a prisão por um Código Penal que, neste aspecto, é cada vez mais singular no contexto europeu." E defende: "Também aqui devemos olhar para os Estados de direito que constituem a Europa onde nos integramos e onde soluções penais deste tipo são cada vez mais anacrónicas."
Lembrando que o PS e o Governo "há muito assumiram e anunciaram" que "é tempo de se chamar o povo a pronunciar-se, tão-só, sobre esta questão: devem ou não as mulheres serem levadas a tribunal sob ameaça de prisão em caso de interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras semanas de gravidez?", Sócrates frisa: "Não se trata de uma decisão sobre problemas e concepções morais de natureza pessoal. É uma decisão sobre a lei penal portuguesa. É uma decisão sobre saber se se deve manter em vigor uma lei que tem conduzido ao aborto clandestino e que trata as mulheres, as que se viram forçadas a abortar, com uma crueldade que não deve mais ter lugar numa sociedade moderna." Pelo que concluiu: "A palavra deve ser dada ao povo."

Presidente dará seguimento
ao processo referendário
Tudo indica que o Presidente da República, Cavaco Silva, quando receber a resolução que venha a ser aprovada pela Assembleia da República, dê início ao processo legal para poder convocar o referendo, ou seja, que envie a pergunta para o Tribunal Constitucional, para aferir se cumpre os critérios constitucionais.
Contactado pelo PÚBLICO, o assessor de imprensa, Fernando Lima, explicou que o Presidente se escusava a comentar, mantendo assim a reserva institucional. Mas lembrou que Cavaco Silva durante a campanha, afirmou que se recebesse uma resolução da AR pedindo um referendo, em condições normais, daria seguimento ao processo.
Não há, contudo, nenhuma expectativa de que Cavaco Silva esteja disposto a dar-lhe qualquer carácter de urgência. Em causa está a data do referendo. E se os prazos fossem cumpridos na sua versão mínima, o referendo poderia realizar-se ainda este ano. Mas, embora ninguém o diga preto no branco, há uma espécie de acordo tácito de que o período do Natal seja excluído de qualquer agenda de campanha. Daí a data para o arranque da campanha ser Janeiro.
Também o PSD parece integrar este acordo tácito. Em declarações ao PÚBLICO, Marques Mendes afirmou: "O PSD não se oporá a iniciativas que visem a realização de um novo referendo sobre a questão da interrupção voluntária da gravidez e reafirma o princípio da liberdade de voto, em obediência ao postulado de que se trata de matéria que releva da consciência individual da cada cidadão."
O compromisso de reapresentar esta resolução foi assumido por Sócrates, quando em 28 de Outubro a maioria dos juízes do Tribunal Constitucional considerou não ser possível dar provimento à tese do PS sobre os prazos da sessão legislativa. O PS insistira então em apresentar a resolução pedindo o referendo, depois de o ter feito meses antes, logo a seguir a eleição da AR e justificou essa possibilidade com a interpretação de que se iniciara em Setembro uma nova sessão.
Será a terceira vez que, na presente legislatura, o PS apresenta uma resolução para o referendo. A primeira foi votada na generalidade a 20 de Abril de 2005, no mesmo dia em que foi aprovado o projecto de lei da JS que despenaliza a prática de aborto. Mas quando a resolução chegou a Belém, Jorge Sampaio recusou-se a convocá-lo e até a mandar a pergunta ao TC. Em mensagem à AR, a 3 de Maio, alegando que considerava que a consulta iria cair já em período de Verão, propício à desmobilização do eleitorado.