Está praticamente decidido, o referendo à
despenalização do aborto será repetido em Janeiro. O
Presidente está aberto a dar seguimento ao processo
referendário, se este lhe chegar em condições
normais da Assembleia. E o PS mantém a intenção de
avançar em Setembro. Será o fim de um ciclo,
iniciado há oito anos com a vitória não vinculativa
do "não", um aniversário que é assinalado pelos
defensores da despenalização. Por São José Almeida
O novo referendo sobre
despenalização do aborto deverá realizar-se em
Janeiro. A decisão última cabe ao Presidente da
República, Cavaco Silva, que tem a prerrogativa
constitucional da convocação do referendo, mas, de
acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO
junto dos vários intervenientes no processo, tudo
aponta para que a consulta popular e a respectiva
campanha se realize durante o mês de Janeiro.
É Vitalino Canas - porta-voz do PS, partido que se
comprometeu já a reapresentar, em 15 de Setembro , a
resolução para convocar o referendo - quem
considera, em declarações ao PÚBLICO, que só em
Janeiro se deverá realizar o referendo sobre o
conteúdo do projecto de lei do PS, aprovado na
generalidade a 20 de Abril.
"O PS sempre tem dito que a convocação do referendo
compete ao Presidente da República, assim como
escolher a data, se o quiser convocar. Mas aplicando
com rigor os prazos da lei e tendo como base o facto
de o PS ir reapresentar o projecto de resolução em
Setembro, essa aplicação aponta para Janeiro",
declarou Vitalino.
Também o líder parlamentar, Alberto Martins,
confirma a disponibilidade do PS para fazer o que
prometeu em final de 2005, quando viu o Tribunal
Constitucional rejeitar a resolução da AR. "No
início da próxima sessão legislativa apresentaremos
um projecto de resolução para promover um referendo
sobre interrupção voluntária da gravidez nos mesmos
termos do que anteriormente foi submetido ao voto
popular", declarou ao PÚBLICO.
Por sua vez, o primeiro-ministro e líder do PS, José
Sócrates, declarou, por escrito, ao PÚBLICO, que
desde 1998, "muita coisa mudou, o país e o mundo
evoluíram", mas, em Portugal, "infelizmente, algo se
manteve inalterado: o problema das mulheres que,
constrangidas a abortar em decisões de consciência
já de si do maior dramatismo e penosidade, são ainda
ameaçadas de serem enviadas para a prisão por um
Código Penal que, neste aspecto, é cada vez mais
singular no contexto europeu." E defende: "Também
aqui devemos olhar para os Estados de direito que
constituem a Europa onde nos integramos e onde
soluções penais deste tipo são cada vez mais
anacrónicas."
Lembrando que o PS e o Governo "há muito assumiram e
anunciaram" que "é tempo de se chamar o povo a
pronunciar-se, tão-só, sobre esta questão: devem ou
não as mulheres serem levadas a tribunal sob ameaça
de prisão em caso de interrupção voluntária da
gravidez realizada nas primeiras semanas de
gravidez?", Sócrates frisa: "Não se trata de uma
decisão sobre problemas e concepções morais de
natureza pessoal. É uma decisão sobre a lei penal
portuguesa. É uma decisão sobre saber se se deve
manter em vigor uma lei que tem conduzido ao aborto
clandestino e que trata as mulheres, as que se viram
forçadas a abortar, com uma crueldade que não deve
mais ter lugar numa sociedade moderna." Pelo que
concluiu: "A palavra deve ser dada ao povo."
Presidente dará seguimento
ao processo referendário
Tudo indica que o Presidente da República, Cavaco
Silva, quando receber a resolução que venha a ser
aprovada pela Assembleia da República, dê início ao
processo legal para poder convocar o referendo, ou
seja, que envie a pergunta para o Tribunal
Constitucional, para aferir se cumpre os critérios
constitucionais.
Contactado pelo PÚBLICO, o assessor de imprensa,
Fernando Lima, explicou que o Presidente se escusava
a comentar, mantendo assim a reserva institucional.
Mas lembrou que Cavaco Silva durante a campanha,
afirmou que se recebesse uma resolução da AR pedindo
um referendo, em condições normais, daria seguimento
ao processo.
Não há, contudo, nenhuma expectativa de que Cavaco
Silva esteja disposto a dar-lhe qualquer carácter de
urgência. Em causa está a data do referendo. E se os
prazos fossem cumpridos na sua versão mínima, o
referendo poderia realizar-se ainda este ano. Mas,
embora ninguém o diga preto no branco, há uma
espécie de acordo tácito de que o período do Natal
seja excluído de qualquer agenda de campanha. Daí a
data para o arranque da campanha ser Janeiro.
Também o PSD parece integrar este acordo tácito. Em
declarações ao PÚBLICO, Marques Mendes afirmou: "O
PSD não se oporá a iniciativas que visem a
realização de um novo referendo sobre a questão da
interrupção voluntária da gravidez e reafirma o
princípio da liberdade de voto, em obediência ao
postulado de que se trata de matéria que releva da
consciência individual da cada cidadão."
O compromisso de reapresentar esta resolução foi
assumido por Sócrates, quando em 28 de Outubro a
maioria dos juízes do Tribunal Constitucional
considerou não ser possível dar provimento à tese do
PS sobre os prazos da sessão legislativa. O PS
insistira então em apresentar a resolução pedindo o
referendo, depois de o ter feito meses antes, logo a
seguir a eleição da AR e justificou essa
possibilidade com a interpretação de que se iniciara
em Setembro uma nova sessão.
Será a terceira vez que, na presente legislatura, o
PS apresenta uma resolução para o referendo. A
primeira foi votada na generalidade a 20 de Abril de
2005, no mesmo dia em que foi aprovado o projecto de
lei da JS que despenaliza a prática de aborto. Mas
quando a resolução chegou a Belém, Jorge Sampaio
recusou-se a convocá-lo e até a mandar a pergunta ao
TC. Em mensagem à AR, a 3 de Maio, alegando que
considerava que a consulta iria cair já em período
de Verão, propício à desmobilização do eleitorado.