A entrevista de Maria de Lurdes Rodrigues ao
Expresso repete dogmas já conhecidos e foge
sistematicamente às respostas
Obviamente que hesitei no título. Esta crónica é
séria, concordem ou não com ela, eventualmente
incompatível com o intimismo da epígrafe. Mas aquela
pose négligée, ar maroto, na foto grande, e a
candura da carita pousada no dorso da mão direita,
na segunda imagem, ao alto da página 25, fazem-nos
lembrar, com ternura incontida, uma titi
infinitamente docinha, que faz biscoitos de manteiga
como ninguém.
A generosidade de Sua Excelência certamente
entenderá a escolha do crítico ao abrir, assim, a
análise à entrevista que a ministra da Educação
concedeu ao Expresso de sábado passado. É que aquele
banho de sorrisos e mãos postas (trata-se de uma das
páginas centrais) tem uma relevância comunicacional
inquestionável: para uns, ridiculariza a
protagonista; para outros, procura salvar a
"sinistra". Só os teóricos da leitura de imagem
poderão aprofundar o tema.
Passemos ao conteúdo textual: sempre vazio, por
vezes indigente e maldoso, muitas vezes incoerente e
a arrasar a respondente com os seus próprios
argumentos. Fundamentemos. Vazio, porque não tem uma
só ideia nova. É mais do mesmo, repetição de dogmas
já conhecidos e fuga sistemática às respostas que as
perguntas justificariam. "Mas antes o sistema
educativo era ou não mais exigente?" A ministra não
responde. Divaga sobre a missão da Educação de hoje
e de há 30 anos. Faz afirmações que só os seus
pré-conceitos sustentam. A incoerência é patente.
Ela, que acusa os outros de não fundamentarem e é
tão avessa a considerar a opinião como algo válido,
oferece-nos, tão-só, a sua, oposta à da maioria dos
observadores.
Indigente e maldoso. Que poderemos pensar de duas
perguntas assim formuladas: "Como podemos ter
confiança num sistema de ensino onde a quase
totalidade dos professores não quer ser avaliada?"
"Esperava que os professores respondessem à
exigência de serem avaliados com uma 'manif' de
100.000 professores?" Quem disse aos entrevistadores
que a quase totalidade dos professores não quer ser
avaliada, senão o seu pessoal e mal- intencionado
processo de intenções? Alicerçam em quê a formulação
de tal pergunta, capciosa? Servem-se de que fontes e
de que factos para reduzir a zero as razões que
levaram os professores à rua? É confrangedor ver um
"jornal de referência" estender servilmente
passadeira vermelha à resposta da Senhoria que
entrevistam, manipulando grosseiramente as
evidências.
Passemos a exemplos de incoerência no discurso da
ministra. Como qualquer português minimamente
esclarecido sabe, o Gabinete de Avaliação
Educacional depende funcional e hierarquicamente da
ministra da Educação. A polémica recente sobre a
facilidade evidente dos exames deste ano levou a
ministra a proferir declarações surpreendentes,
negando um vínculo que está, obviamente, plasmado no
respectivo diploma orgânico. Agora, lá lemos, preto
no Expresso, referindo-se à elaboração dos exames:
"Dei instruções ao instituto que os elabora no
sentido de garantir que se reforçassem os mecanismos
de auditoria para termos exames de melhor
qualidade." Ora a qualidade define-se e naturalmente
que sua Excelência a definiu antes que o seu
independente Gave actuasse. Como definiu a sua
inefável ajudante da DREN, com aquele providencial
jeitinho para a asneira, a qualidade dos correctores
(os tais que não se podem afastar da média, "porque
os alunos têm direito ao sucesso").
"Como é que gostava de ser recordada?", perguntou o
Expresso. "Não penso nisso. Não trabalho para a
memória...", respondeu a ministra. Ou terá sido a
tia Milu? É que a ministra acabou de inaugurar, no
hall do seu ministério (onde, espero eu, ela não
brilhará durante muito mais tempo) uma patética
galeria de retratos de todos os seus antecessores.
Professor do ensino superior