Público - 09 Jul 08

 

A tia Milu
Santana Castilho

 

A entrevista de Maria de Lurdes Rodrigues ao Expresso repete dogmas já conhecidos e foge sistematicamente às respostas

 

Obviamente que hesitei no título. Esta crónica é séria, concordem ou não com ela, eventualmente incompatível com o intimismo da epígrafe. Mas aquela pose négligée, ar maroto, na foto grande, e a candura da carita pousada no dorso da mão direita, na segunda imagem, ao alto da página 25, fazem-nos lembrar, com ternura incontida, uma titi infinitamente docinha, que faz biscoitos de manteiga como ninguém.

 

A generosidade de Sua Excelência certamente entenderá a escolha do crítico ao abrir, assim, a análise à entrevista que a ministra da Educação concedeu ao Expresso de sábado passado. É que aquele banho de sorrisos e mãos postas (trata-se de uma das páginas centrais) tem uma relevância comunicacional inquestionável: para uns, ridiculariza a protagonista; para outros, procura salvar a "sinistra". Só os teóricos da leitura de imagem poderão aprofundar o tema.

 

Passemos ao conteúdo textual: sempre vazio, por vezes indigente e maldoso, muitas vezes incoerente e a arrasar a respondente com os seus próprios argumentos. Fundamentemos. Vazio, porque não tem uma só ideia nova. É mais do mesmo, repetição de dogmas já conhecidos e fuga sistemática às respostas que as perguntas justificariam. "Mas antes o sistema educativo era ou não mais exigente?" A ministra não responde. Divaga sobre a missão da Educação de hoje e de há 30 anos. Faz afirmações que só os seus pré-conceitos sustentam. A incoerência é patente. Ela, que acusa os outros de não fundamentarem e é tão avessa a considerar a opinião como algo válido, oferece-nos, tão-só, a sua, oposta à da maioria dos observadores.

 

Indigente e maldoso. Que poderemos pensar de duas perguntas assim formuladas: "Como podemos ter confiança num sistema de ensino onde a quase totalidade dos professores não quer ser avaliada?" "Esperava que os professores respondessem à exigência de serem avaliados com uma 'manif' de 100.000 professores?" Quem disse aos entrevistadores que a quase totalidade dos professores não quer ser avaliada, senão o seu pessoal e mal- intencionado processo de intenções? Alicerçam em quê a formulação de tal pergunta, capciosa? Servem-se de que fontes e de que factos para reduzir a zero as razões que levaram os professores à rua? É confrangedor ver um "jornal de referência" estender servilmente passadeira vermelha à resposta da Senhoria que entrevistam, manipulando grosseiramente as evidências.

 

Passemos a exemplos de incoerência no discurso da ministra. Como qualquer português minimamente esclarecido sabe, o Gabinete de Avaliação Educacional depende funcional e hierarquicamente da ministra da Educação. A polémica recente sobre a facilidade evidente dos exames deste ano levou a ministra a proferir declarações surpreendentes, negando um vínculo que está, obviamente, plasmado no respectivo diploma orgânico. Agora, lá lemos, preto no Expresso, referindo-se à elaboração dos exames: "Dei instruções ao instituto que os elabora no sentido de garantir que se reforçassem os mecanismos de auditoria para termos exames de melhor qualidade." Ora a qualidade define-se e naturalmente que sua Excelência a definiu antes que o seu independente Gave actuasse. Como definiu a sua inefável ajudante da DREN, com aquele providencial jeitinho para a asneira, a qualidade dos correctores (os tais que não se podem afastar da média, "porque os alunos têm direito ao sucesso").

 

"Como é que gostava de ser recordada?", perguntou o Expresso. "Não penso nisso. Não trabalho para a memória...", respondeu a ministra. Ou terá sido a tia Milu? É que a ministra acabou de inaugurar, no hall do seu ministério (onde, espero eu, ela não brilhará durante muito mais tempo) uma patética galeria de retratos de todos os seus antecessores. Professor do ensino superior