Como previsto, a lei de legalização do casamento
entre pessoas do mesmo sexo segue o seu caminho.
Nenhuma consideração de bom senso ou legitimidade
democrática a parece deter. Em breve, dizem,
Portugal terá a honra de figurar na reduzida lista
dos países livres, modernos e progressivos.
Alguns aspectos do processo são bastante curiosos.
Um dos mais hilariantes é o facto de o Governo não
se dar conta do ridículo da situação. Empossado para
resolver os problemas do País não mostra a menor
capacidade de o fazer. O desemprego explode, a
justiça embrulha-se, a educação discute, a saúde
engorda, a economia afunda-se em dívidas sem que as
autoridades manifestem sequer compreender o que há a
fazer. Não convencem ninguém e só conservam o poder
porque ainda se confia menos nas alternativas. Neste
panorama desolador mantêm uma pose infantil de
dignidade graças a iniciativas abstrusas como esta.
Algumas são caras, negativas, prejudiciais. A mais
tola é o casamento dos homossexuais. O mesmo
Executivo que foi homicida na liberalização do
aborto e irresponsável na facilitação do divórcio é
agora apenas patético insistindo na lei perante a
desgraça dos desempregados, descalabro financeiro,
apatia geral.
Se a tolice dos políticos não admira, o elemento
surpreendente é essa indiferença da população.
Qualquer que seja a posição que se tome neste
assunto, é consensual que se trata de uma mudança
fundamental, decisiva. Mesmo se esta geração já viu
os citados ataques muito piores contra a família é
estranho o desinteresse global.
Aqui actuam décadas de doutrinação serena e
insistente. Não se consegue anestesiar um povo para
tolices destas sem um esforço longo e atento. Mas
com trabalho intenso e paciente é possível levar
multidões até a aceitar as maiores selvajarias, como
mostraram jacobinos, nazis, estalinistas e tantos
outros. Uma lei tonta nem custa nada.
Para mais, hoje o mal tem uma máquina de propaganda
que nunca teve. Todos nós, todas as noites, sentados
no sofá, assistimos a atrocidades incríveis,
chacinas psicopatas, planos maquiavélicos. Chamamos
a isso divertimento. É verdade que em geral o bem
ainda ganha no fim dos filmes e séries. Mas começam
a multiplicar-se os casos em que justiça não tem a
última palavra. Chama-se a isso realismo. Claro que
depois dessas doses maciças de violência, sexo e
adrenalina nos sentimos normais. Mas vamos cedendo e
perdendo a capacidade de nos indignar, distinguir
diferenças, analisar problemas. O jornalismo vive de
clichés, boatos, intrigas, julgamentos apressados.
Tudo nos embota a sensibilidade, amortece o
raciocínio, tolda o juízo.
É verdade que a mesma máquina de controlo mental
também nos instila indignação, discernimento e
análise, mas em coisas secundárias. Hoje se um homem
abandonar a família para fugir com a mulher de outro
é mera expressão de sensibilidade, manifestação
legítima do direito ao amor. Mas se forem a fumar
serão severamente censurados.
Assim, perante a mudança do conceito de casamento,
alteração muito mais radical que a revisão
constitucional, a maior parte das pessoas nada mais
diz senão que cada um faz da sua vida o que quer e
todos merecem respeito. Duas afirmações verdadeiras
e irrelevantes ao tema. Se o Governo pretendesse
mudar a definição de pensionista, sindicato, eleitor
ou contribuinte a discussão seria enorme, sem
ninguém invocar a liberdade e respeito. Mudar o
casamento faz--se numa simples manhã, entre dois
decretos polémicos.
O futuro terá dificuldade em compreender esta
apatia. Nós que nos dizemos tão sensíveis aos
direitos humanos, tão sofisticados na estrutura
legislativa, tão delicados no detalhe regulador,
mostramos a maior boçalidade em assuntos cruciais.
Todos estes graves disparates sociais acabarão por
desaparecer. Há 50 anos os intelectuais queriam
eliminar os mercados, há 100 anos destruir a
religião, há 200 enforcar a nobreza. Hoje, tudo isso
não passa de horrores antigos que temos dificuldade
em entender. O futuro terá dificuldade em entender
os nossos.