Educação
Alunos de 12 anos inquiridos sobre vida sexual dos
pais Monica Contreras e Rosa Pedroso Lima
Cem mil jovens responderam a um inquérito que alguns
dizem ser ‘absurdo’
“O teu pai, ou substituto, obriga (a tua mãe) a
fazer vida sexual com ele contra a vontade dela?”
Um inquérito feito a 100 mil jovens entre os 11 e os
18 anos, incluiu perguntas sobre a vida sexual dos
pais.
O Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT)
fez, em Dezembro, um inquérito a cem mil jovens de
mais de 800 escolas públicas, que incluía uma
bateria de perguntas sobre violência doméstica. Os
alunos - entre os 11 e os 18 anos - foram
questionados sobre se os pais “ou substitutos” se
batiam, insultavam ou se “tinham vida sexual contra
vontade”. Os responsáveis pelo estudo - que contou
com o aval dos Ministérios da Saúde e da Educação -
acham o trabalho “rigoroso, equilibrado e sereno”.
Mas especialistas contactados pelo Expresso,
discordam. Acham as perguntas “disparatadas”,
“absurdas” e mesmo “bárbaras do ponto de vista
ético”.
Fernanda Feijão, coordenadora do projecto, está
surpreendida com esta “tempestade num copo de água”.
No entanto, houve um pai que fez eco do seu
protestou e considerou “gratuita e despropositada” a
forma como o inquérito foi feito ao seu filho de 12
anos. Fernanda Feijão defende o estudo, que é vasto
e inclui 60 grupos de perguntas - que vão desde
hábitos, gostos, comportamentos, atitudes, passando
por consumo de substâncias ilícitas. “O inquérito é
voluntário e confidencial. Um professor apresentava
e explicava aos alunos os objectivos do trabalho e
as reacções foram muito positivas”, garante ao
Expresso.
O facto de “a violência doméstica ser um crime
público” associada à necessidade de “avaliar o grau
de exposição a situações de tensão familiar dos
jovens e a sua relação com os comportamentos de
risco adoptados, justificam” a inclusão dessas
questões.
Respostas pouco fiáveis
O psiquiatra José Gameiro discorda. Para ele é um
“disparate” incluir perguntas sobre a vida sexual
dos pais, porque “as respostas não têm grande
fiabilidade. Os jovens podem inventar em função das
suas fantasias”.
Mário Cordeiro, pediatra, acha “um total e completo
absurdo fazer este tipo de perguntas às crianças”. A
crítica fundamental do médico reside no facto de
levantar questões que “criam perturbação na relação
entre pais e filhos, sem qualquer consequência”.
Afinal, questiona, “o que pretende o estudo saber e
que acções se propõe desencadear a partir das
respostas?”. Não sendo claros estes dois pontos, “é
uma mera perda de tempo e de dinheiro, porque não
informa os jovens e também não resolve qualquer
problema”. “Do ponto de vista ético é mesmo
bárbaro”, diz.
José Gil acha “esquisito que se pergunte a uma
criança de 12 anos se o pai obriga a mãe a ter
relações sexuais. Isso significaria que tinha acesso
à vida sexual dos pais, o que não será a situação
mais normal”. O filósofo concorda com o pediatra na
necessidade de combater a violência doméstica, mas
não compreende como tal possa vir a ser feito
através deste questionário.
Albino Almeida, ex-presidente da Confederação das
Associações de Pais, lamenta “a falta de bom senso”
em algumas das questões levantadas. Afinal, as
perguntas “não deviam ser idênticas para jovens de
12 ou de 17 anos” e para quem seja vítima de algumas
das situações descritas a formulação do inquérito
pode ser “inibidora”.