Expresso - 20 Jan 07

 

Educação
Alunos de 12 anos inquiridos sobre vida sexual dos pais
Monica Contreras e Rosa Pedroso Lima

 

Cem mil jovens responderam a um inquérito que alguns dizem ser ‘absurdo’

“O teu pai, ou substituto, obriga (a tua mãe) a fazer vida sexual com ele contra a vontade dela?”

 

Um inquérito feito a 100 mil jovens entre os 11 e os 18 anos, incluiu perguntas sobre a vida sexual dos pais.

O Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) fez, em Dezembro, um inquérito a cem mil jovens de mais de 800 escolas públicas, que incluía uma bateria de perguntas sobre violência doméstica. Os alunos - entre os 11 e os 18 anos - foram questionados sobre se os pais “ou substitutos” se batiam, insultavam ou se “tinham vida sexual contra vontade”. Os responsáveis pelo estudo - que contou com o aval dos Ministérios da Saúde e da Educação - acham o trabalho “rigoroso, equilibrado e sereno”. Mas especialistas contactados pelo Expresso, discordam. Acham as perguntas “disparatadas”, “absurdas” e mesmo “bárbaras do ponto de vista ético”.

Fernanda Feijão, coordenadora do projecto, está surpreendida com esta “tempestade num copo de água”. No entanto, houve um pai que fez eco do seu protestou e considerou “gratuita e despropositada” a forma como o inquérito foi feito ao seu filho de 12 anos. Fernanda Feijão defende o estudo, que é vasto e inclui 60 grupos de perguntas - que vão desde hábitos, gostos, comportamentos, atitudes, passando por consumo de substâncias ilícitas. “O inquérito é voluntário e confidencial. Um professor apresentava e explicava aos alunos os objectivos do trabalho e as reacções foram muito positivas”, garante ao Expresso.

O facto de “a violência doméstica ser um crime público” associada à necessidade de “avaliar o grau de exposição a situações de tensão familiar dos jovens e a sua relação com os comportamentos de risco adoptados, justificam” a inclusão dessas questões.

Respostas pouco fiáveis

O psiquiatra José Gameiro discorda. Para ele é um “disparate” incluir perguntas sobre a vida sexual dos pais, porque “as respostas não têm grande fiabilidade. Os jovens podem inventar em função das suas fantasias”.

Mário Cordeiro, pediatra, acha “um total e completo absurdo fazer este tipo de perguntas às crianças”. A crítica fundamental do médico reside no facto de levantar questões que “criam perturbação na relação entre pais e filhos, sem qualquer consequência”. Afinal, questiona, “o que pretende o estudo saber e que acções se propõe desencadear a partir das respostas?”. Não sendo claros estes dois pontos, “é uma mera perda de tempo e de dinheiro, porque não informa os jovens e também não resolve qualquer problema”. “Do ponto de vista ético é mesmo bárbaro”, diz.

José Gil acha “esquisito que se pergunte a uma criança de 12 anos se o pai obriga a mãe a ter relações sexuais. Isso significaria que tinha acesso à vida sexual dos pais, o que não será a situação mais normal”. O filósofo concorda com o pediatra na necessidade de combater a violência doméstica, mas não compreende como tal possa vir a ser feito através deste questionário.

Albino Almeida, ex-presidente da Confederação das Associações de Pais, lamenta “a falta de bom senso” em algumas das questões levantadas. Afinal, as perguntas “não deviam ser idênticas para jovens de 12 ou de 17 anos” e para quem seja vítima de algumas das situações descritas a formulação do inquérito pode ser “inibidora”.