Creches, subsídios e um país onde nascem cada vez
menos crianças José Manuel Fernandes
Medidas avulsas que não tocam no essencial não fazem
uma política de promoção da natalidade
No ano em que este Governo tomou posse, em 2005,
nasceram em Portugal quase 109 mil crianças. O ano
passado esse número baixou para um pouco mais de 105
mil. E tudo indica que em 2007, apesar de ainda não
serem conhecidos os dados do INE, desceu para algo
como mais de 102 mil. Vale a pena recordar estes
números depois de ontem, no Parlamento, o
primeiro-ministro ter dito que "o apoio à infância
representa uma área fundamental para a política
social", porque, entre outros objectivos, "é um meio
eficaz de incentivar a natalidade, assim
contribuindo para a superação do problema
demográfico".
Olhando para estes números, o mínimo que se pode
dizer é que o Governo fracassou nos seus objectivos.
Não só não inverteu a tendência para diminuição da
natalidade, como no período em que José Sócrates é
primeiro-ministro essa tendência se agravou. E
agravou-se de tal forma que, se olharmos para as
tabelas construídas pelo Ministério da Solidariedade
Social destinadas a provar a "sustentabilidade" do
sistema de Segurança Social depois das reformas
introduzidas, verificamos que elas pecam por um
incompreensível optimismo. Se nada acontecer, se
nada mudar, a sustentabilidade da Segurança Social
prometida por Vieira da Silva esfumar-se-á tão
depressa quanto a prometida no tempo de António
Guterres. Pela razão simples que, sem mais crianças,
haverá cada vez mais idosos e cada vez menos jovens,
logo cada vez menos trabalhadores para, com os seus
descontos, pagarem as pensões dos mais idosos.
Na verdade, não admira que a crueza destes números
prove aquilo que muitas associações têm vindo a
dizer: as medidas pontuais que o Governo tem
apresentado de "apoio à natalidade" são desconexas,
por vezes contraditórias e, sobretudo, incapazes de
atacarem a raiz do problema. Ou, para sermos justos,
de mitigarem algumas das causas da baixa da
natalidade, pois outras causas ultrapassam qualquer
coisa que um governo possa fazer.
Ontem José Sócrates anunciou mais algumas medidas,
entre as quais se destaca a canalização de mais
dinheiro para a construção de creches nas zonas
metropolitanas de Lisboa e do Porto. Como medida
avulsa é correcta. Como medida avulsa é escassa. E
mesmo que o primeiro-ministro tenha recordado todas
as medidas "natalistas" do seu Governo, a verdade é
que, no conjunto, essas medidas não formam um corpo
coerente capaz de inverter a actual situação.
Senão, vejamos. O essencial do que tem sido feito
incide sobre prestações como o abono de família e um
seu sucedâneo, o abono pré-natal. Mesmo tendo
aumentado os valores em causa, o Governo falha o
alvo, pois estamos a falar de montantes
relativamente pequenos que pouco ou nada estimularão
uma família da classe média a ter mais filhos. O
tipo de problemas com que esta se defronta não são
resolvidos com um abono pré-natal ou com uma dedução
fiscal maior que termina quando o filho faz três
anos e, por regra, com a actual organização da
sociedade, começa a representar um encargo maior
para as famílias.
Na verdade, este tipo de "políticas sociais" podem
ajudar os mais pobres (é justo que os filhos dos
imigrantes passem a receber abono de família, mas
isto não aumenta dramaticamente o número de filhos
que têm, sendo já o sector da população onde os
índices de natalidade são mais elevados), mas não se
dirigem ao cerne do problema. Que é saber como é
que, nos dias de hoje, uma mulher pode conciliar a
sua carreira com a maternidade. E digo "carreira" e
não apenas "salário", pois as licenças de parto
asseguram-no. O problema está em saber como é que a
vida nas cidades - onde se concentram a maior parte
dos portugueses - se adapta às exigências da
maternidade, mesmo quando esta é mais apoiada pelo
outro membro do casal.
Não se irá pois a lado nenhum sem olhar para temas
como o do trabalho em part time, o da partilha
obrigatória de licença de parto entre o pai e a mãe,
o aumento da liberdade de escolha (que só é real, se
tiver apoios públicos) dos pais relativamente à
forma como querem tratar do filho de tenra idade
(isto é, se preferem ficar em casa e ser subsidiados
para o fazer, entregá-lo aos avós e estes receberem
um apoio semelhante, por exemplo, ao custo de um
lugar numa creche pública, deixá-lo em creches na
empresas que também seriam compensadas num valor
semelhante, e por aí adiante). Tal como é necessário
perceber que a rigidez das formas de contratação
dificulta a adaptação de pais e mães a necessidades
que não são todas iguais. Ou que a rigidez no
mercado habitacional torna muito complicado decidir
ter mais filhos, se não se tem mais quartos e é
muito difícil mudar de casa.
Os países nórdicos, que passaram antes de Portugal
por crises como a que estamos a viver, começaram a
vencê-la precisamente ao darem mais hipóteses às
mães e aos pais de conciliarem a sua vida
profissional com a maternidade, não ao construírem
creches em bairros onde hoje há crianças e amanhã só
haverá adolescentes ou distribuindo subsídios. Umas
centenas de euros não pagam um filho, e um filho
vale para os pais muito mais do que isso (excepto,
naturalmente, para aquelas mulheres que estão mais
preocupadas com eventuais varizes nas pernas, uma
barriga mais flácida ou peitos gretados, que também
as há por aí).
Finalmente, tabu dos tabus, uma maior estabilidade
nas relações também está associada a uma maior
natalidade nos segmentos intermédios da população. O
Reino Unido, com Tony Blair, percebeu-o, mas por cá
todos os sinais políticos e legislativos desta
maioria vão no sentido contrário. Sobretudo agora,
que José Sócrates quer voltar a agradar ao que julga
ser a sua "ala esquerda". Conservadora, mas... "de
esquerda".