Público - 8 Fev 07

 

"Somos todos contra o aborto"?
 

Entre os adeptos da legalização, tornou-se quase um lugar-comum dizer que "todos somos contra o aborto". Em alguns casos, tratar-se-á porventura de uma convicção sincera, embora incoerente. Na maioria, parece ser apenas uma operação de marketing não demasiado convincente, uma vez que esse discurso de moderação disfarça mal a crueza da mensagem.
Por que é que somos (e devemos ser) contra o aborto? Do meu ponto de vista, porque o aborto (legal ou clandestino) é um mal. Porque impõe sem condições o sacrifício da vida pré-natal, sendo que a vida humana é o bem jurídico mais valioso em qualquer ordem política. E porque o aborto voluntário (legal ou clandestino) tem um efeito destrutor na própria mulher e mãe: é uma violência física e psicológica, que humilha, agride e dilacera a mulher no nível mais profundo da sua feminilidade e da sua dignidade pessoal. Ao atentar contra o próprio filho não nascido, a mãe fere-se a si mesma.
É por isso que votamos "não". Por um lado, o aborto livre até às 10 semanas consagra o poder arbitrário da mãe sobre a vida do seu filho nascituro, configurando um direito absoluto de disposição sobre um ser humano, o que é inaceitável. O Estado não pode deixar de proteger essa vida, a que corresponde o mais primordial dos direitos. Por outro lado, a liberalização multiplicaria o número de abortos, alastrando o sofrimento e o ultraje da mulher.
Ao contrário, no discurso recente dos activistas do "sim" não se vislumbram as razões pelas quais o aborto seja um mal que devamos evitar: o embrião ou o feto voltam a ser degradados à condição de um "anexo" da mulher grávida, sem dignidade própria e valor intrínseco; o aborto legal é proclamado "seguro", e as respectivas sequelas físicas e psicológicas seriam lérias e demagogia dos partidários do "não". Tudo indica, portanto, que para os promotores da liberalização o aborto é um "bem": liberta a mulher de um incómodo "monte de células" e permite-lhe "desenvolver livremente o seu projecto de vida", sem ter que dar explicações a ninguém. E é safe: nem riscos, nem traumas. Daí, a sua reclamação do direito ao aborto - que é, no fundo, o que está em causa neste referendo.
Aliás, se "todos somos contra o aborto" e queremos evitá-lo, qual o sentido de o oferecer como se fosse um serviço de saúde? A ideia peregrina de que a liberalização, em si mesma, pode reduzir o número de abortos não tem qualquer lógica, senso ou razão. O sinal emitido para a sociedade da legalização do aborto não poderia ser senão o da sua "bondade". E só poderíamos esperar - como sucedeu noutros países - um efeito de escalada: uma progressiva insensibilização relativamente ao valor da vida, uma gradual trivialização do aborto, um alargamento dos prazos e dos fundamentos da sua licitude. Uma vez aberta a porta - do aborto "porque sim" até às 10 semanas - não há nenhum argumento consistente para parar aqui.
De facto, para as hostes do "sim", o aborto em si mesmo não é mal nenhum - pelo contrário, já que o convertem em objecto de um direito da mãe - desde que não seja clandestino. Se quisessem verdadeiramente combater o aborto (e também a clandestinidade), não pretenderiam desviar recursos públicos - que são sempre escassos - do apoio à maternidade para a sua promoção legal. Querem, sim, um aborto asséptico, organizado, gratuito e garantido, eficiente, burocrático, banal. A banalidade do mal.
E seriam duas as vítimas: os filhos não nascidos, silenciosamente liquidados em clínicas "seguras", às mãos de zelosos médicos pró-escolha ("todos contra o aborto"...); e as mulheres e mães, atiradas para o aborto legal, humilhadas e sozinhas - sem o amparo da lei - perante a pressão infame do namorado, dos pais ou do patrão, do desemprego ou da rejeição, e sem verdadeira "opção".
É isto que nos querem oferecer? Nem pensem... merecemos melhor!
Por isso vou votar "não"! Associação Mulheres em Acção