Expresso - 18 Fev 06

 

A triste história do país deserto

Henrique Monteiro

Embora se chame «um país de marinheiros», há muito Portugal para lá da faixa litoral

O ANÚNCIO do encerramento de milhares de escolas tem passado relativamente despercebido perante avalanchas mediáticas como os «cartoons» de Maomé ou a gripe das aves. Mas, algures numa pequena aldeia do interior, esse será o tema que aflige toda a gente.

As aldeias foram ficando sem nada - sem transportes, sem estações dos correios, sem postos da Guarda e, agora, sem escolas. Os sinais de pertença a uma comunidade vão desaparecendo. Simultaneamente, as vilas mais pequenas vão perder tribunais e, provavelmente, repartições de finanças, freguesias - e são os sinais do Estado que se desvanecem. Todas estas medidas fazem sentido, são necessárias do ponto de vista da contenção dos custos e da racionalização das despesas. Mas são golpes fatais na configuração do país e em comunidades que ainda preservam boa parte do nosso código genético cultural.

O campo e as aldeias foram, até há poucas décadas, a terra de muitos de nós. Dali tirámos muitas lendas e memórias da nossa infância, algumas crenças e certas nostalgias.

Ver desaparecer esse mundo, mesmo a partir de Lisboa ou do Porto, parece penoso. Imagine-se assistir à sua morte quando dele se faz parte integrante.

Porém, por mais melancolia que possamos sentir, os números são esmagadores. Há ruas de Lisboa e Porto com mais gente do que concelhos inteiros. Se os rácios de equipamentos públicos de alguns concelhos - piscinas, campos de ténis polidesportivos, centros de saúde, tribunais, etc. -, fossem aplicados a certas zonas urbanas, haveria ruas e bairros com dezenas destes equipamentos. Na verdade, algumas terras quase só existem em função do investimento público, porque nada mais há para fazer que não seja trabalhar para o Estado ou para a autarquia.

A QUESTÃO não está, pois, em contestar este tipo de medidas, mas antes em ter clara a resposta a esta questão: o que vai acontecer a essas vilas e aldeias? O que vai acontecer àquelas pessoas? Que país queremos?

É certo que mesmo no interior nasceram centros urbanos de média dimensão onde a qualidade de vida é inquestionavelmente melhor do que a apagada e vil tristeza de há 20 ou 30 anos. Mas, para lá dessas cidades - quase todas capitais de Distrito - o país tende a ficar despovoado, sem ter quem trate dos seus campos e das suas matas, que depressa ficarão sem vida, desertos, sem qualquer préstimo.

Se nada for feito, ficará um país mais pobre. No plano pessoal, no plano cultural ou mesmo no plano político, ninguém sobrevive sadiamente desprezando as suas raízes. E ainda que seja hábito chamar a Portugal «um país de marinheiros», é bom não esquecer que há muito país para lá da faixa litoral.

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