Expresso - 03 Dez 05

Perseguidos por um crucifixo

Henrique Monteiro

«Gente assim torna-se perigosa. Pode, até, em última instância, dar esmola aos pobres.»

Lisboa, 30/11/2005

Exma. Senhora Ministra da Educação

Uma das coisas que mais sentido veio dar à minha vida foi a proposta que lhe fizeram no sentido de retirar os crucifixos das escolas. Há muito que os crucifixos me perseguem de modo impiedoso, por vezes com certa brutalidade. Meu Deus! E o que eu tive de ouvir dos crucifixos, que se juntavam aos magotes para dizer mal de mim, sempre que eu falhava um golo na equipa do colégio? E o que eles faziam para eu ter más notas? E o que eles contribuíram para eu nunca ter chegado a Catedrático ou a outra coisa qualquer neste país? 

O crucifixo é uma arma terrível. Só mesmo nos Estados Unidos, onde toda a gente tem uma pistola ou uma espingarda, se pode considerar normal que haja crucifixos nas escolas públicas! O crucifixo é uma barbaridade e - ainda por cima, ao que parece - um símbolo religioso.

Na verdade, eu além de ser contra os crucifixos sou contra os símbolos religiosos. Talvez até seja mais contra os símbolos religiosos do que contra os crucifixos. Também não posso com estrelas de seis pontas, determinadas fases da lua e alguns búzios que me recordam vagamente a lenda de Iemanjá. Odeio os tipos gordos como um Buda ou aquelas estatuetas de seis braços dos hindus. E acho que tudo isso deveria ser proibido na escola, com especial incidência para os gordos ou toda e qualquer pessoa com mais de dois braços.

Seria, no entanto, ingénuo pensar que os símbolos religiosos apenas estão nas escolas. Não é verdade! Os símbolos são como o Santana, andam por aí. Claro que há gente que não entende os símbolos e, por isso, eles lhes passam despercebidos.Vendo só o óbvio, apenas querem proibir o crucifixo na escola. Mas eu pergunto: e os postes dos telefones, o que são senão crucifixos ligados com fios de cobre? E as gruas do porto e dos edifícios em construção? E as estrelas, à noite, quando parecem ter seis pontas e propagandeiam o sionismo? E quartos minguantes que são a mais descarada propaganda do islamismo? E a hora de almoço no McDonalds, que não é mais do que um hino ao budismo? Não serão outros tantos símbolos que devem imediatamente ser proibidos antes que nos levem a loucuras terríveis como gostar de um Deus, de uma ideia divina ou de qualquer transcendência como a vida além da morte ou a reincarnação?

Gente assim torna-se perigosa. Sobretudo porque se pode sentir livre dos compromissos terrenos e dedicar-se ao que lhe apetece. Gente assim pode, em última instância, ir para um confim do mundo ajudar os miseráveis. Ou dar esmola aos pobres! É gente com quem não se deve ter contemplações.

E, depois, o crucifixo sempre me perseguiu. Tenho a certeza que ainda hoje diz mal de mim.

comendador@mail.expresso.pt

WB00789_.gif (161 bytes)