Jornal de Notícias - 4 Ago 06

Contra a discriminação invisível

Mário Contumélias, Docente universitário

 

Os leitores que me desculpem, mas hoje resolvi assumir-me. Confesso, sou um cota. Já passei o cabo dos cinquenta, o que significa que não tenho valor de mercado, nem sou "papel" em que se aposte na bolsa de emprego.

Teoricamente, em termos físicos sou uma ruína; no plano mental, uma nulidade. Represento, como qualquer homem ou mulher da minha idade para cima, uma incomodidade para o sistema capitalista alguém que está vivo para além do prazo de validade, "incapaz" de produzir valor, de gerar mais valias como deve ser.

Sou, caros leitores, uma perversão incómoda. Se tivesse decência, educação, boas maneiras, já teria desaparecido. Desamparado a loja. Parado de chatear. Encostado discretamente a um canto.

É certo que cotas há muitos. O presidente da República tem 67 anos, o primeiro-ministro vai fazer 50, o presidente da Assembleia já tem 59; até Belmiro de Azevedo anda nas 68 primaveras.

Como é verdade que Bill Gates soma 53 anos de vida, George Bush, 60, Tony Blair, 53. Ou que Rupert Murdoch já fez 75 e Balsemão está à beira dos 70, sem que fraqueje a sua pujança como imperadores dos Media. Mas estes, e muitos mais nas mesmas condições que poderia citar, não significam nada. São todos "senadores"; excepções que confirmam a regra. Super-homens insensíveis ao factor idade, vulgo PDI.

Os outros, a esmagadora maioria dos acima dos 50, no chamado "mundo civilizado", são vistos como imprestáveis excrescências, que andam a empatar a vida dos jovens activos e dos respeitáveis empreendedores, em busca de sucesso.

Esforçamo-nos por abolir preconceitos instalados. Pregamos a multiculturalidade, repudiamos o racismo, temos leis contra as atitudes sexistas, queremos que se deixe de avaliar alguém em função da sua orientação sexual. Tudo formas de discriminação que a sociedade moderna quer erradicar e muito bem. Mas ninguém, ou quase ninguém, fala da mais letal das formas de discriminação, a discriminação etária. A única invisível.

E sabemos hoje que, para além da força física, o que não conta numa economia de Serviços, os mais velhos são tão capazes como os mais novos. Cometem, até, menos erros. Mas faz de conta que não. Sobretudo, porque os mais jovens reivindicam menos e são mais baratos.

No pé em que estamos, e com a Segurança Social no estado em que está, o aumento da esperança de vida é um paradoxo, uma calamidade. Vive-se mais, para experimentar a discriminação, a insolvência, o drama. E não adianta aumentar a idade da reforma, se não houver trabalho para os mais velhos...

Eu não quero reformar-me, quero a minha parte na divisão do trabalho social, enquanto tiver lucidez e forças. E tenho-as. Uso-as, desta vez, para clamar contra a mais abjecta das discriminações - a discriminação em função da idade.