Os leitores que me
desculpem, mas hoje resolvi assumir-me. Confesso,
sou um cota. Já passei o cabo dos cinquenta, o que
significa que não tenho valor de mercado, nem sou
"papel" em que se aposte na bolsa de emprego.
Teoricamente, em termos físicos sou uma ruína; no
plano mental, uma nulidade. Represento, como
qualquer homem ou mulher da minha idade para cima,
uma incomodidade para o sistema capitalista alguém
que está vivo para além do prazo de validade,
"incapaz" de produzir valor, de gerar mais valias
como deve ser.
Sou, caros leitores, uma perversão incómoda. Se
tivesse decência, educação, boas maneiras, já teria
desaparecido. Desamparado a loja. Parado de chatear.
Encostado discretamente a um canto.
É certo que cotas há muitos. O presidente da
República tem 67 anos, o primeiro-ministro vai fazer
50, o presidente da Assembleia já tem 59; até
Belmiro de Azevedo anda nas 68 primaveras.
Como é verdade que Bill Gates soma 53 anos de vida,
George Bush, 60, Tony Blair, 53. Ou que Rupert
Murdoch já fez 75 e Balsemão está à beira dos 70,
sem que fraqueje a sua pujança como imperadores dos
Media. Mas estes, e muitos mais nas mesmas condições
que poderia citar, não significam nada. São todos
"senadores"; excepções que confirmam a regra.
Super-homens insensíveis ao factor idade, vulgo PDI.
Os outros, a esmagadora maioria dos acima dos 50, no
chamado "mundo civilizado", são vistos como
imprestáveis excrescências, que andam a empatar a
vida dos jovens activos e dos respeitáveis
empreendedores, em busca de sucesso.
Esforçamo-nos por abolir preconceitos instalados.
Pregamos a multiculturalidade, repudiamos o racismo,
temos leis contra as atitudes sexistas, queremos que
se deixe de avaliar alguém em função da sua
orientação sexual. Tudo formas de discriminação que
a sociedade moderna quer erradicar e muito bem. Mas
ninguém, ou quase ninguém, fala da mais letal das
formas de discriminação, a discriminação etária. A
única invisível.
E sabemos hoje que, para além da força física, o que
não conta numa economia de Serviços, os mais velhos
são tão capazes como os mais novos. Cometem, até,
menos erros. Mas faz de conta que não. Sobretudo,
porque os mais jovens reivindicam menos e são mais
baratos.
No pé em que estamos, e com a Segurança Social no
estado em que está, o aumento da esperança de vida é
um paradoxo, uma calamidade. Vive-se mais, para
experimentar a discriminação, a insolvência, o
drama. E não adianta aumentar a idade da reforma, se
não houver trabalho para os mais velhos...
Eu não quero reformar-me, quero a minha parte na
divisão do trabalho social, enquanto tiver lucidez e
forças. E tenho-as. Uso-as, desta vez, para clamar
contra a mais abjecta das discriminações - a
discriminação em função da idade.