O PS diz-se empenhado em salvar o Estado Social, mas
não percebeu que uma das razões da nossa crise
social é a progressiva desestruturação da família.
Ao mesmo tempo que o Governo anuncia o combate ao
trabalho precário, o PS no Parlamento pretende mudar
o Código Civil, tornando o casamento num dos
contratos mais precários do nosso sistema jurídico.
O contraste é curioso. Por um lado, defende-se o
contrato de trabalho para toda a vida, exigindo a
lei sempre uma justa causa objectiva para a sua
cessação. O mesmo acontece com o arrendamento, onde
o regime legal torna o contrato (quase) perpétuo,
mesmo contra a vontade do proprietário. No
casamento, pelo contrário, sem razões objectivas,
para além das aparências ideológicas, os socialistas
pretendem introduzir o divórcio unilateral, ou seja,
mesmo contra a vontade do outro cônjuge, e apesar da
violação dos deveres conjugais pela parte que pede o
divórcio. Com efeito, o novo artigo 1781.º CC prevê
como fundamento do divórcio a “separação de facto
por um ano consecutivo” (o prazo actual é três anos
- alínea a), ou “quaisquer outros factos que mostrem
a ruptura definitiva do casamento” (al&i acute;nea
d). Este regime jurídico é imperativo, tornando o
casamento um dos mais débeis e precários contratos
bilaterais do nosso sistema jurídico.
Esta alteração insere-se na tendência dos últimos
anos de descaracterização do casamento enquanto
contrato civil, enfraquecendo os seus deveres
específicos (respeito, fidelidade, coabitação,
cooperação e assistência), e aproximando-o do regime
jurídico das uniões de facto, onde há direitos mas
não deveres.
Se o casamento é descartável, qual a diferença em
relação às uniões de facto? Para quê casar se o
compromisso não tem valor perante a sociedade? Mais
vale poupar o dinheiro e evitar aborrecimentos.
O líder parlamentar do PS, num ‘sound-byte
demagógico, esclarecia o povo dizendo que o
“casamento deve assentar no afecto e não nos
deveres”. Brilhante. Já imagino o seguinte diálogo
na intimidade familiar lusa: – Hó querida vou deixar
de levar os miúdos à escola porque descobri o meu
afecto pela vizinha do r/c esquerdo.
Para além de ingénua, esta frase de Alberto Martins
é mais um sintoma da infantilização da nossa
sociedade. É um absurdo pensar que a família se
baseia apenas no afecto, esquecendo a
responsabilidade. Reparem que isto nada tem de
moralismo. Claro que o Estado não deve olhar pela
fechadura das famílias portuguesas, nem compete à
lei regular a sexualidade. Mas o casamento é uma
coisa diferente. Precisa de protecção jurídica
porque existem filhos e a estabilidade familiar é um
importante capital social.
Dados empíricos demonstram (’Why marriage matters:
Twenty-one conclusions from social sciences’) os
efeitos prejudiciais do divórcio sobretudo para os
filhos Nos últimos 25 anos (1980-2005) o número de
divórcios na Europa aumentou mais de 50%. O recente
relatório “Evolution of the Family in Europe” (2007)
refere que mais 21 milhões de crianças foram
afectadas por 13,5 milhões de divórcios. Claro que
as razões não são apenas legais, mas a lei e as
políticas públicas devem promover a estabilidade do
casamento e proteger as crianças, que precisam de
segurança e estabilidade para crescer. Tal não
acontece, na minha opinião, com o projecto
socialista. Os filhos e sobretudo o cônjuge
(economicamente) mais fraco ficam menos protegidos
pelo novo regime legal. O princípio passa a ser que
“cada cô njuge deve prover à sua subsistência depois
do divórcio” (2016.º, 1). Se o motivo do divórcio
for a doença de um dos cônjuges este deixa de ter “o
direito a manter o padrão de vida de que beneficiou
na constância do matrimónio” (2016.º-A). O direito a
alimentos passa a ser temporário, e apenas pode ser
renovado por “razões ponderosas” (2016.º-B), o que
pode criar instabilidade para o cônjuge carenciado e
maior litigiosidade em tribunal.
O PS diz-se empenhado em salvar o Estado Social, mas
não percebeu que uma das razões da nossa crise
social é a progressiva desestruturação da família.
Em Portugal, mesmo antes destas alterações, a taxa
de crescimento do número de divórcios era já uma das
maiores da Europa. As razões não estão apenas na
lei, claro, mas esta tem um papel importante a
desempenhar. A lei forma cultura e envia sinais para
a sociedade. Neste caso os sinais errados.
Os socialistas portugueses querem imitar a agenda
fracturante de Zapatero para mostrar que são de
esquerda. Este experimentalismo legislativo pode
sair-nos caro.