Diário Económico - 30 Abr 08

 

Divórcio na hora?
Paulo Marcelo

 

O PS diz-se empenhado em salvar o Estado Social, mas não percebeu que uma das razões da nossa crise social é a progressiva desestruturação da família.

 

Ao mesmo tempo que o Governo anuncia o combate ao trabalho precário, o PS no Parlamento pretende mudar o Código Civil, tornando o casamento num dos contratos mais precários do nosso sistema jurídico.

 

O contraste é curioso. Por um lado, defende-se o contrato de trabalho para toda a vida, exigindo a lei sempre uma justa causa objectiva para a sua cessação. O mesmo acontece com o arrendamento, onde o regime legal torna o contrato (quase) perpétuo, mesmo contra a vontade do proprietário. No casamento, pelo contrário, sem razões objectivas, para além das aparências ideológicas, os socialistas pretendem introduzir o divórcio unilateral, ou seja, mesmo contra a vontade do outro cônjuge, e apesar da violação dos deveres conjugais pela parte que pede o divórcio. Com efeito, o novo artigo 1781.º CC prevê como fundamento do divórcio a “separação de facto por um ano consecutivo” (o prazo actual é três anos - alínea a), ou “quaisquer outros factos que mostrem a ruptura definitiva do casamento” (al&i acute;nea d). Este regime jurídico é imperativo, tornando o casamento um dos mais débeis e precários contratos bilaterais do nosso sistema jurídico.

 

Esta alteração insere-se na tendência dos últimos anos de descaracterização do casamento enquanto contrato civil, enfraquecendo os seus deveres específicos (respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência), e aproximando-o do regime jurídico das uniões de facto, onde há direitos mas não deveres.

 

Se o casamento é descartável, qual a diferença em relação às uniões de facto? Para quê casar se o compromisso não tem valor perante a sociedade? Mais vale poupar o dinheiro e evitar aborrecimentos.

 

O líder parlamentar do PS, num ‘sound-byte demagógico, esclarecia o povo dizendo que o “casamento deve assentar no afecto e não nos deveres”. Brilhante. Já imagino o seguinte diálogo na intimidade familiar lusa: – Hó querida vou deixar de levar os miúdos à escola porque descobri o meu afecto pela vizinha do r/c esquerdo.

 

Para além de ingénua, esta frase de Alberto Martins é mais um sintoma da infantilização da nossa sociedade. É um absurdo pensar que a família se baseia apenas no afecto, esquecendo a responsabilidade. Reparem que isto nada tem de moralismo. Claro que o Estado não deve olhar pela fechadura das famílias portuguesas, nem compete à lei regular a sexualidade. Mas o casamento é uma coisa diferente. Precisa de protecção jurídica porque existem filhos e a estabilidade familiar é um importante capital social.

 

Dados empíricos demonstram (’Why marriage matters: Twenty-one conclusions from social sciences’) os efeitos prejudiciais do divórcio sobretudo para os filhos Nos últimos 25 anos (1980-2005) o número de divórcios na Europa aumentou mais de 50%. O recente relatório “Evolution of the Family in Europe” (2007) refere que mais 21 milhões de crianças foram afectadas por 13,5 milhões de divórcios. Claro que as razões não são apenas legais, mas a lei e as políticas públicas devem promover a estabilidade do casamento e proteger as crianças, que precisam de segurança e estabilidade para crescer. Tal não acontece, na minha opinião, com o projecto socialista. Os filhos e sobretudo o cônjuge (economicamente) mais fraco ficam menos protegidos pelo novo regime legal. O princípio passa a ser que “cada cô njuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio” (2016.º, 1). Se o motivo do divórcio for a doença de um dos cônjuges este deixa de ter “o direito a manter o padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” (2016.º-A). O direito a alimentos passa a ser temporário, e apenas pode ser renovado por “razões ponderosas” (2016.º-B), o que pode criar instabilidade para o cônjuge carenciado e maior litigiosidade em tribunal.

 

O PS diz-se empenhado em salvar o Estado Social, mas não percebeu que uma das razões da nossa crise social é a progressiva desestruturação da família. Em Portugal, mesmo antes destas alterações, a taxa de crescimento do número de divórcios era já uma das maiores da Europa. As razões não estão apenas na lei, claro, mas esta tem um papel importante a desempenhar. A lei forma cultura e envia sinais para a sociedade. Neste caso os sinais errados.

 

Os socialistas portugueses querem imitar a agenda fracturante de Zapatero para mostrar que são de esquerda. Este experimentalismo legislativo pode sair-nos caro.