Mais de 100 participações diárias de assaltos a
casas José Bento Amaro
Ladrões já utilizam baldes de água para cometer
crimes. Períodos de férias, sobretudo em Lisboa e
Porto, constituem o pico das ocorrências
Com chave falsa, arrombando portas e janelas,
trepando por canos, estendais e ramos de árvore,
enganando quem está lá dentro. Em Portugal, todos os
anos se assaltam mais de 20 mil residências.
Trata-se de um dos cinco crimes mais praticados em
todo o país. Só no ano passado a média foi de 61
assaltos por dia. Mas se aos crimes praticados nas
moradias se somarem os praticados, pelos mesmos
métodos, em edifícios comerciais e industriais,
então conclui-se que as polícias foram chamadas a
investigar estes delitos mais de 100 vezes em cada
24 horas.
Está em constante actualização a mente dos
criminosos que assaltam casas. Agora que as
fechaduras que abriam com um simples cartão de
Multibanco ou uma radiografia quase caíram em
desuso, agora que os sistemas de segurança podem
transformar uma qualquer casa numa espécie de feudo
blindado, é o engenho do assaltante que volta a
aguçar-se. A força bruta dos pés-de-cabra ou a
habilidade das mãos a manusear gazuas estão agora a
ser substituídas por objectos bem mais distintos:
que tal assaltar casas com baldes de água? Sim, é
estranho, mas a verdade é que já se assaltam casas
com baldes de água. O método, detectado há vários
meses, é silencioso, parece não oferecer ameaça
imediata ao locatário. É, apenas, um método...
molhado.
Como funciona? É simples: o ladrão está no patamar,
eventualmente escondido nas escadas, e sempre que se
sente em segurança, munido de um balde de água, vai
despejando quantidades da mesma por debaixo da porta
do alvo escolhido. A operação pode demorar a ser
detectada, até porque o derrame de água não faz
barulho, mas chega a altura em que o inquilino vai
descobrir a inundação no seu hall. Abre a porta,
para se inteirar de onde provem o líquido. É então
que, lesto, vindo do refúgio da escadaria, surge o
ladrão, que com um movimento rápido, muitas vezes
munido de uma arma de fogo ou uma arma branca,
empurra a vítima para dentro. A seguir vem o saque.
Este método, apesar de inovador, ainda não destronou
o arrombamento. Dizem polícias contactados pelo
PÚBLICO que arrombar uma porta ou uma janela
continua a ser o modo mais vulgar de assaltar
residências ou estabelecimentos. É que, se a hora
escolhida para praticar o crime coincidir com o
horário laboral, pouca importa que se faça barulho.
Depois, um pé-de-cabra quase nunca encontra grande
oposição de portas antigas, sobretudo quando as
mesmas não têm fechaduras de trancas.
O escalamento, outra das técnicas mais utilizadas,
ocorre sobretudo durante a noite, com a
particularidade de as vítimas se encontrarem quase
sempre no interior. Trepar a árvores cujos ramos
cresceram encostados aos edifícios, aproveitar os
estendais da roupa ou os tubos das canalizações até
se encontrar uma janela aberta ou que se abra com
facilidade é uma modalidade sempre em voga.
A chave falsa, embora menos comum, é um método mais
especializado. Os assaltantes que o utilizam
deslocam-se, quase sempre, a locais que sabem ter
elevados valores (estabelecimentos comerciais).
Muitas vezes é necessário possuir conhecimentos de
serralheiro e estar equipado com ferramentas
específicas.
É no Verão, quando a maior das pessoas se encontra
de férias, que ocorre a maior parte dos assaltos a
residências. Lisboa e Porto, como cidades mais
populosas, são também as mais fustigadas por este
tipo de criminalidade. Embora a Polícia de Segurança
Pública (PSP) e a Polícia Judiciária (PJ) possuam
esquemas de prevenção específicos, a verdade é que
nem toda a gente segue as regras mínimas para
impedir um tipo de crime que só no ano passado
registou mais de 22.300 ocorrências.
Não falar em demasia no abandono da residência, não
deixar as chaves escondidas e dar conhecimento na
esquadra da área do período de tempo em que vai
estar ausente são conselhos usuais que, de acordo
com a PSP, têm cada vez mais audiência, mas que
ainda assim são descurados por muitos.
"Há grupos organizados. Que fazem dos assaltos a
residências o seu modo de vida. Um assalto a uma
casa não é apenas algo que acontece por se
proporcionar a ocasião", conta um efectivo da 3.ª
Divisão da PSP de Lisboa, aquela que abrange, entre
outras, a zona de Benfica, tida como aquela onde
mais casas são assaltadas todos os anos. "Atribuir
os assaltos de casas exclusivamente a
toxicodependentes, como muitas vezes surge na
imprensa, é um erro. Não corresponde à realidade",
adianta. As próprias leis gerais do país foram, em
tempos, uma espécie de motor que facilitava a tarefa
dos assaltantes de residências.
Um dos exemplo mais conhecidos é o das chapas de
identificação que cada condutor era obrigado a
exibir no tablier da sua viatura. Nessa chapa estava
inscrita a morada do proprietário. Muitas vezes, se
o carro era visto no Algarve e se o proprietário
tinha residência em Lisboa, o gatuno sabia de
antemão que dispunha de tempo para cometer o crime.
J.B.A.
Um assalto a uma residência é, quase sempre, um acto
estudado e preparado. Este tipo de delinquentes tem
por hábito vigiar os alvos que pretende assaltar,
estudando os costumes dos inquilinos, ao ponto de
saber todos os seus horários. Chegam mesmo a saber
quando é que vão ao supermercado e a que horas estão
os filhos na escola. Na preparação dos seus crimes
marcam toda a área, com pequenos sinais em locais
específicos. Essas marcas, normalmente denominadas
por "balizas" constituem uma espécie de linguagem
que quase só os próprios dominam.
22 mil e trezentos assaltos a casas e
estabelecimentos comerciais verificaram-se só no ano
passado, segundo a PSP e a PJ.