Público - 26 Abr 08

 

Mais de 100 participações diárias de assaltos a casas
José Bento Amaro

 

Ladrões já utilizam baldes de água para cometer crimes. Períodos de férias, sobretudo em Lisboa e Porto, constituem o pico das ocorrências

 

Com chave falsa, arrombando portas e janelas, trepando por canos, estendais e ramos de árvore, enganando quem está lá dentro. Em Portugal, todos os anos se assaltam mais de 20 mil residências. Trata-se de um dos cinco crimes mais praticados em todo o país. Só no ano passado a média foi de 61 assaltos por dia. Mas se aos crimes praticados nas moradias se somarem os praticados, pelos mesmos métodos, em edifícios comerciais e industriais, então conclui-se que as polícias foram chamadas a investigar estes delitos mais de 100 vezes em cada 24 horas.

 

Está em constante actualização a mente dos criminosos que assaltam casas. Agora que as fechaduras que abriam com um simples cartão de Multibanco ou uma radiografia quase caíram em desuso, agora que os sistemas de segurança podem transformar uma qualquer casa numa espécie de feudo blindado, é o engenho do assaltante que volta a aguçar-se. A força bruta dos pés-de-cabra ou a habilidade das mãos a manusear gazuas estão agora a ser substituídas por objectos bem mais distintos: que tal assaltar casas com baldes de água? Sim, é estranho, mas a verdade é que já se assaltam casas com baldes de água. O método, detectado há vários meses, é silencioso, parece não oferecer ameaça imediata ao locatário. É, apenas, um método... molhado.

 

Como funciona? É simples: o ladrão está no patamar, eventualmente escondido nas escadas, e sempre que se sente em segurança, munido de um balde de água, vai despejando quantidades da mesma por debaixo da porta do alvo escolhido. A operação pode demorar a ser detectada, até porque o derrame de água não faz barulho, mas chega a altura em que o inquilino vai descobrir a inundação no seu hall. Abre a porta, para se inteirar de onde provem o líquido. É então que, lesto, vindo do refúgio da escadaria, surge o ladrão, que com um movimento rápido, muitas vezes munido de uma arma de fogo ou uma arma branca, empurra a vítima para dentro. A seguir vem o saque.

 

Este método, apesar de inovador, ainda não destronou o arrombamento. Dizem polícias contactados pelo PÚBLICO que arrombar uma porta ou uma janela continua a ser o modo mais vulgar de assaltar residências ou estabelecimentos. É que, se a hora escolhida para praticar o crime coincidir com o horário laboral, pouca importa que se faça barulho. Depois, um pé-de-cabra quase nunca encontra grande oposição de portas antigas, sobretudo quando as mesmas não têm fechaduras de trancas.

 

O escalamento, outra das técnicas mais utilizadas, ocorre sobretudo durante a noite, com a particularidade de as vítimas se encontrarem quase sempre no interior. Trepar a árvores cujos ramos cresceram encostados aos edifícios, aproveitar os estendais da roupa ou os tubos das canalizações até se encontrar uma janela aberta ou que se abra com facilidade é uma modalidade sempre em voga.

 

A chave falsa, embora menos comum, é um método mais especializado. Os assaltantes que o utilizam deslocam-se, quase sempre, a locais que sabem ter elevados valores (estabelecimentos comerciais). Muitas vezes é necessário possuir conhecimentos de serralheiro e estar equipado com ferramentas específicas.

 

É no Verão, quando a maior das pessoas se encontra de férias, que ocorre a maior parte dos assaltos a residências. Lisboa e Porto, como cidades mais populosas, são também as mais fustigadas por este tipo de criminalidade. Embora a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Polícia Judiciária (PJ) possuam esquemas de prevenção específicos, a verdade é que nem toda a gente segue as regras mínimas para impedir um tipo de crime que só no ano passado registou mais de 22.300 ocorrências.

 

Não falar em demasia no abandono da residência, não deixar as chaves escondidas e dar conhecimento na esquadra da área do período de tempo em que vai estar ausente são conselhos usuais que, de acordo com a PSP, têm cada vez mais audiência, mas que ainda assim são descurados por muitos.

 

"Há grupos organizados. Que fazem dos assaltos a residências o seu modo de vida. Um assalto a uma casa não é apenas algo que acontece por se proporcionar a ocasião", conta um efectivo da 3.ª Divisão da PSP de Lisboa, aquela que abrange, entre outras, a zona de Benfica, tida como aquela onde mais casas são assaltadas todos os anos. "Atribuir os assaltos de casas exclusivamente a toxicodependentes, como muitas vezes surge na imprensa, é um erro. Não corresponde à realidade", adianta. As próprias leis gerais do país foram, em tempos, uma espécie de motor que facilitava a tarefa dos assaltantes de residências.

 

Um dos exemplo mais conhecidos é o das chapas de identificação que cada condutor era obrigado a exibir no tablier da sua viatura. Nessa chapa estava inscrita a morada do proprietário. Muitas vezes, se o carro era visto no Algarve e se o proprietário tinha residência em Lisboa, o gatuno sabia de antemão que dispunha de tempo para cometer o crime. J.B.A.

 

Um assalto a uma residência é, quase sempre, um acto estudado e preparado. Este tipo de delinquentes tem por hábito vigiar os alvos que pretende assaltar, estudando os costumes dos inquilinos, ao ponto de saber todos os seus horários. Chegam mesmo a saber quando é que vão ao supermercado e a que horas estão os filhos na escola. Na preparação dos seus crimes marcam toda a área, com pequenos sinais em locais específicos. Essas marcas, normalmente denominadas por "balizas" constituem uma espécie de linguagem que quase só os próprios dominam.

 

22 mil e trezentos assaltos a casas e estabelecimentos comerciais verificaram-se só no ano passado, segundo a PSP e a PJ.