Público  - 24 Set 08

 

O terror voltou antes do Pai Natal
Nuno Pacheco

 

O país apontado às crianças como a terra onde vive o Pai Natal voltou a ser abalado, como há dez meses, por novo massacre numa escola. Por causa do excesso de armas ou por algo mais profundo?A três meses de Dezembro, quando a Finlândia passa de país da Nokia a país do Pai Natal, o terror voltou a apossar-se da sociedade finlandesa. Sem uma explicação plausível, como da outra vez. No dia 7 de Novembro de 2007, um jovem de 18 anos chamado Pekka-Eric entrou no seu liceu e matou sete colegas e uma professora. Em seguida tentou pôr termo à vida com a mesma arma que usara no morticínio, uma Sig Sauer de calibre 22. Era tido como um jovem simpático, "muito sorridente". Ninguém percebeu o que se passou.

 

Agora, um jovem chamado Matti Saari, este com 22 anos, quase copiou o seu antecessor. Entrou numa escola que frequentara e disparou em seu redor. Matou dez colegas, feriu três e tentou matar-se em seguida. Acabou por morrer no hospital, vítima dos ferimentos auto-infligidos. Matti também era tido por um jovem alegre e sociável. Vivia sozinho com um gato e autodescrevia-se como "misantropo".

 

Mas Eric e Matti tinham um lado negro, assumido no mundo virtual. Eric publicou um vídeo no YouTube, anterior ao massacre, em que dizia estar cheio de ódio e em que prometia actuar como "juiz e executor". Sem piedade para com as suas vítimas. Matti também pôs um vídeo no YouTube. Filmou-se a si próprio a treinar num campo de tiro e a apontar uma pistola à câmara, dizendo: "Vocês serão os próximos a morrer." A polícia viu o vídeo, interrogou-o, mas não o levou a sério. Nem lhe apreendeu a arma, uma Walther 22, do mesmo calibre da de Eric. Isto sucedeu anteontem, dia 22. Ontem, dia 23, Matti cumpriu o prometido. Saiu das trevas virtuais, matou e matou-se. Não reconheceram nele o jovem simpático, tal como não viram o jovem sorridente no Eric que prometia matar sem misericórdia "a escória da sociedade". O luto finlandês revestiu-se, de novo, de sombrias interrogações. Como foi isto possível, num país que é apresentado como modelo para muitos outros? Com pôde repetir-se o pesadelo?

 

Parte da resposta está na própria Finlândia. A Nokia, o Pai Natal, o sistema educativo, o alto nível de vida, fazem parte do seu lado luminoso e dado como exemplar. Mas há um lado mais negro que inclui tendências suicidas entre os jovens, um nível elevado de homicídios (a quase totalidade entre conhecidos ou familiares), uma separação quase total entre a juventude e as gerações dos pais e avós. A tendência para o isolamento leva muitos jovens a voltarem-se para a televisão e a Internet, criando mundos virtuais onde desenvolvem outras personalidades. Eric e Matti eram, aí, assassinos confessos. Na vida real eram afáveis e sorriam. Até que um mundo invadiu o outro, violentamente.