É patético Portugal viver obcecado por uma entidade
abstracta e longínqua, os mercados internacionais. O
busílis da política nacional é: se o Parlamento
reprova o Orçamento, será que os credores se zangam?
Os níveis asfixiantes da dívida põem-nos a adivinhar
eflúvios da finança mundial, contemplando ânsias e
caprichos dessa fluida personalidade planetária, que
aliás supinamente desprezamos.
Ninguém domina os movimentos de milhões de credores.
A teoria económica explica a razão lógica porque os
mercados são imprevisíveis. Mas, por muitos defeitos
que tenham, uma coisa é certa: não são estúpidos. As
nossas medidas ambíguas, joguinhos de imagem,
discursos comoventes e intrigas palacianas não os
impressionam.
No passado dia 29 o senhor primeiro-ministro veio à
televisão dizer compungido que o País precisava de
forte austeridade. Desde então multiplica-se em
justificações por todos os canais. Mas o Orçamento
do Estado para 2010 foi aprovado apenas a 12 de
Março. Bastaram seis meses para o Governo confirmar
que perdeu o controlo da situação. A crise, álibi há
dois anos, pouco tem a ver com isto. Não só tem sido
menos grave do que se temia, como afecta todos os
países e todos lidam com ela sem as nossas piruetas.
Qualquer pessoa sensata sabia que o Orçamento de
Março era supinamente desadequado. O que nenhuma
pessoa séria podia era prever o grau de descontrolo
destes meses.
A verdade é que José Sócrates, que há um ano afirmou
"Está para nascer um primeiro-ministro que faça
melhor no défice do que eu" (agência Lusa,
22.07.09), nunca compreendeu realmente a questão
orçamental. Preocupa-se com ela, fala nela
repetidamente, mas não entende a sua natureza. Por
isso ela vem sempre assombrar-lhe a governação,
apesar dos repetidos e apregoados sucessos do
estadista.
A despesa pública não é uma montanha, que precise de
terraplanagem a golpes de IVA. É um vulcão que
explode tanto mais quanto mais impostos lhe atiram
para cima. Não vale a pena cortar-lhe um pedaço,
como este Orçamento de 2011 pretende, porque o mal
não está no nível mas na tendência imparável. Este é
o monstro que fez fugir Guterres e Barroso e que
Sócrates jurou vencer em 2005. Para isso viu-se
forçado a violar logo a solene promessa eleitoral de
não aumentar impostos. Três anos depois cantou
vitória, para o ver regressar no ano seguinte, maior
que nunca. Já está na altura de perceber que as
cócegas dos planos de austeridade só servem para o
acirrar.
Porque todas as propostas apresentadas até hoje,
quando não aumentam os impostos, engordando a besta,
limitam-se a reduzir gastos sem mexer nas regras que
os aceleram. Mesmo com forte descida pontual como
esta, ao fim de algum tempo tudo volta ao mesmo. E
mais uma vez, apesar das juras de só baixar a
despesa, não se resistiu à obsessão de aumentar o
IVA.
Não vale a pena continuar a perguntar, como se fez
doentiamente estes dias, se as severas medidas
anunciadas serão suficientes para resolver o
problema. Elas simplesmente não se dirigem ao
problema. São meros anestésicos e analgésicos de
urgência, que tratam os sintomas enquanto o doente
precisa de cirurgia e internamento prolongado.
Apesar de estar lá há seis anos, o Governo vem
sempre a correr às urgências.
O cancro a operar são os milhões em direitos,
regalias, institutos, subsídios e salários, todos
justificados, todos blindados na lei e que o País
não pode pagar. Mesmo aparados aqui e ali, ressurgem
sempre. Os acontecimentos destes meses mostram como
os recipientes estão atentos na sua defesa. No
próprio dia do anúncio das medidas os polícias
estavam na rua por uma questão de promoções. Têm
toda a razão. Não há é dinheiro.
O problema é político. Será que quem lidar mesmo com
a situação se aguenta no poder? Não é por acaso que,
dos países em dificuldades, Portugal foi o último a
reagir. Os mercados percebem isto perfeitamente. O
Orçamento de 2011 não é a prova que o Governo lida
com a situação. São meras juras de drogado, que os
credores, que não são parvos, conhecem à distância.