Pais demitem-se das suas funções e são
maltratados pelos filhos Alfredo Mendes
Educação. Especialistas alertam para a falta de
comunicação e de regras nas famílias
Ausência de diálogo e de afecto compensada com a
satisfação dos caprichos
A realidade é esta: cada vez são mais visíveis os
casos em que os filhos, desde tenra idade até à
adolescência, agridem os seus pais. Um fenómeno que
na sociedade é transversal e que pode prenunciar "um
cocktail explosivo". Este foi um dos temas debatidos
no 3.º Encontro Técnico da CrescerSer, no Porto,
desta vez subordinado à máxima, "Eu falo contigo.
Fala comigo".
É, pois, a falta de comunicação entre pais e filhos
que preocupa os especialistas, para quem os
progenitores se demitem das suas funções de
educadores, imputando à escola essa
responsabilidade. Acresce que, em casa, a autoridade
marca ausência, ou revela-se pouco consistente, ou
seja, incongruente. Inclusive, nas relações
disfuncionais os papéis dos pais e dos filhos chegam
a inverter-se.
João Belchior, um dos participantes no encontro,
serviu-se das funções que exerce como director do
Colégio do Barão de Nova Sintra, da Santa Casa da
Misericórdia do Porto, para afirmar que "falamos
muito e comunicamos pouco". Ao DN, disse ser preciso
haver duas realidades que desembocam no mesmo
desfecho: filhos mal amados (por excesso ou defeito)
e ausência de regras. Assim, "estamos a criar
ditadores que, quando novos, toda a gente acha
graça", conotando os maus tratos com a forte
personalidade da criança.
Depois, em jeito de compensação pela inexistência de
diálogo, os pais cedem aos caprichos dos filhos. É o
consumismo, a rápida satisfação dos pedidos. Ora,
este imediatismo "vai minando o processo educativo.
Hoje, nada dá trabalho. Nem é preciso uma alavanca
para abrir e fechar os vidros do carro", ilustrou
João Belchior.
No entender deste técnico, proliferam os bodes
expiatórios. Por exemplo, a falta de tempo. Porém, o
mesmo não sucede na altura dos adultos acompanharem
jogos de futebol, tão-pouco quando invadem os
centros comerciais.
Neste sentido, acentuou o director do colégio de
crianças carenciadas, "o facilitismo reflecte-se nas
emoções". Na era da comunicação, disse, "nunca
estivemos tão sós. Fala--se com o vizinho através da
Net". Urge, assim, "criar um equilíbrio, resgatar o
bom-senso". Daí os participantes neste encontro
defenderem uma lógica de permuta de mais-valias e de
conhecimentos entre instituições. Ou seja, uma
colaboração mais orgânica em que a família esteja
presente, mesmo na escola.
As contradições são muitas. Em um colégio de
crianças carenciadas, "os jovens usam telemóveis
topo de gama, superiores ao do director".