Diário Digital -
13
Nov 06
O aborto é crime!
João Titta Maurício *
O aborto é crime! Disso não pode haver dúvidas! E
igualmente não conheço quem possa defender que o
aborto é uma coisa boa! Assim sendo, não consigo
perceber como se pode colocar a questão de saber se
o aborto deveria ou não ser punível...!?!
Bem sei que as conclusões variam por estarem
condicionadas pela forma como o problema é abordado,
pois uns olham-no a partir da definição do momento a
partir do qual há vida humana; outros preferem
imaginar que pode ser olhado numa perspectiva da
mulher e dos seus (supostos) direitos abortivos.
Assim, e acreditando que “água mole em pedra
dura...”, tentemos, uma vez mais, demonstrar a
falácia dos argumentos apresentados pelos defensores
das teses abortistas.
Primeiro, ligar a vida e a felicidade futura de uma
criança por nascer ao presente difícil dos pais
seria condenar todas as crianças ao não nascimento!
A não ser que alguém se julgue presciente, ninguém
pode saber a qualidade do futuro pela mera
constatação do presente. É intelectualmente
desonesto agarrar numa “mão-cheia” de exemplos,
generalizá-los e tomar o todo pela parte, confundir
a árvore com a floresta. Por essa ordem de ideias,
alguém que haja perdido o seu emprego só teria o
suicídio como natural consequência...
É verdade que é falso que só engravida quem quer e,
se aceitarmos o argumento de que o aborto deve ser
livremente usado como um método legítimo para evitar
que surjam crianças num ambiente familiar
economicamente degradado, então devemos concluir
que, para os defensores da liberalização do aborto,
só deverá engravidar quem pode...
Segundo, o costumeiro disparate, que afirma que “o
corpo da mulher pertence-lhe”!
Entendamo-nos: estão os defensores do aborto
disponíveis para autorizar a venda a retalho do
corpo humano, isto é, estão disponíveis para
permitir que cada um de nós possa, legitimamente,
vender um rim, um pulmão ou outra qualquer parte do
corpo... porque nos pertence? Se sim, podemos
discutir a partir daqui, mas fica já demonstrada a
incoerência argumentativa do costume... Além disso,
se o corpo da mulher é dela (coisa que não duvido –
ainda que tal não signifique que dele possa dispor
sem limites), é dela o direito a impedir a
gravidez... não o de eliminar “algo” que, sendo
produzido dentro dela, não é só dela e é mais do que
ela! Ou será que, para “os senhores do aborto
livre”, o pai é apenas o doador do esperma? E o feto
é comparável a uma borbulha? É que, usando da mesma
medida demagógica, dever-se-à perguntar: quem propõe
que uma mãe possa livremente “despedir” o filho,
defende igualmente que um patrão possa livremente
“livrar-se” do trabalhador?
Terceiros, comovidos, “os senhores do aborto livre”,
falam na «dolorosa experiência da maioria das
famílias portuguesas».
Concordo, se se estiverem a referir às graves
consequências psicológicas que daí resultam para as
mulheres que o fazem. Assusta-me a leveza com que se
fala sobre o aborto: como se estivéssemos a falar de
uma mera remoção de uma coisa, de um embaraço, de um
incómodo. Além disso, a decisão da mulher, na
maioria dos casos, não é verdadeiramente livre:
sujeita à pressão das amigas, do “companheiro”, dos
pais, ela acaba por optar pela solução que,
aparentemente, lhe parece permitir livrar-se do...
“problema”!
Não acredito que, tendo-o feito, alguma mulher disso
se orgulhe. Contudo, quantos são os casos de
mulheres que, quando fazem, desistem de conservar a
sua condição humana, perdem os limites morais
mínimos, passando a encarar o aborto como um acto
normal e comparável a tomar uma aspirina! É triste e
verdadeiramente sintomático do estado civilizacional
a que nos querem “elevar” quando um ser humano é
rebaixado à condição de... “problema”! Pois é nisso
que se tornarão todas as crianças venham a ser
mortas antes de nascer: no problema que, legalmente,
foi removido e atirado para o caixote do lixo de um
qualquer hospital!
Finalmente, no aborto é enganoso procurar vender-se
a ideia de que estamos a falar de uma situação de
concorrência de direitos, dum lado, o direito à Vida
do ser em estado de gestação e, do outro, o direito
de eliminação dessa vida. Não nos devemos esquecer –
nem poder sequer tentar ousar pensar que podemos –
que o direito à Vida é um direito inalienável e
absoluto e que, por isso, vence sempre mesmo se
confrontado com outros direitos (e mais ainda quando
confrontado com supostos direitos). É uma falácia
afirmar-se que a aprovação de uma legislação
liberalizadora do aborto nada mais é do que o
reconhecimento de um legítimo direito fundamental da
mulher. Porque não só não é legítimo como muito
menos poderá ser considerado fundamental. Só por uma
séria e profunda incoerência no nosso sistema
constitucional se pode compreender que pudessem vir
a subsistir o direito à Vida (com o conteúdo tão
amplo como o que está plasmado no texto
constitucional português) e um direito ao aborto
livre e irrestrito. È bom que se saiba: esta
proposta, se fosse aprovada, seria a vitória da
ignorância e do retrocesso civilizacional, pois
produzir-se-ia uma imensa e grave diminuição no
conteúdo que o direito à Vida possui na nossa ordem
jurídico-constitucional. Este é o primeiro ataque, a
primeira machadada, a primeira limitação à Vida.
Começam pelo nascimento, adiando (por enquanto em 10
semanas) o reconhecimento da condição de pessoa
humana. Prosseguirão pela morte, onde procurarão
consagrar a eutanásia activa, antecipando o fim da
protecção da vida humana em razão de uns vagos
conceitos de “vida em qualidade”, “vida com
felicidade”, “vida com utilidade”. Concluirão,
atacando no meio, regressando às teses de eugenia –
tão caras à esquerda durante grande parte do Séc. XX
–, condicionando o direito de viver ao preenchimento
de determinados critérios gerais de qualidades
subjectivas exigidas a cada indivíduo. Nessa altura,
completar-se-ia o projecto dos (ditos)
“progressistas”: o Homem já não seria o que é, mas
apenas naquilo que a “vanguarda progressista
bem-pensante” e a lei do Estado permitissem.
Queremos viver numa sociedade onde impere o
relativismo moral? Ou preferimos optar por um modelo
onde vigore um padrão colectivo e homogéneo de
comportamento, referencial, assente numa ideia de
Homem que, pelo seu comportamento individual, assume
as consequências da sua permanente aspiração a ser
um Ser moral, que para tudo busca uma solução humana
e civilizacionalmente aceitável.
É este o modelo civilizacional que os defensores do
aborto se propõem consagrar.
É este aquele em que desejamos e merecemos viver?
Rejeitemos as propostas dos falsos humanistas,
aqueles que afirmam a sua compaixão, mas que só
quererem os “perfeitinhos” e aqueles que couberem no
adequado número e nas adequadas condições
económico-sociais por eles definidas. Assim que, a
todo o momento, denunciam o seu profundo desprezo
pelo sofrimento dos que nascem, preferindo-os
mortos, depositados num caixote do lixo de um
qualquer hospital.
* titamau@netcabo.pt
Professor da Universidade Lusófona