Esta é uma carta aberta aos gestores das grandes
empresas portuguesas. Começo por pedir desculpa pelo
atrevimento. Os empresários estão habituados a que
lhes escrevam para lhes ralhar, pretendendo
ensiná-los, ou para os elogiar, querendo seduzi-los.
Não presumo dar lições ou influenciar ninguém. Tenho
o maior respeito por quem dirige empresas, em
especial grandes, tarefa das mais difíceis e
influentes. Pretendo apenas, motivado pela situação
nacional, dizer uma coisa simples.
A crise tem solução, e ela passa por vós. Não passa
pelo Governo, não passa pelo Orçamento, passa pelas
empresas. Todas as empresas. Escrevo apenas aos
gestores das grandes, não porque sejam os mais
importantes, mas porque são os que ainda não
ajustaram. As pequenas estão adaptadas. Muitas
desapareceram, outras renasceram, todas evoluíram.
Não tinham alternativa. As grandes têm e, sendo
maiores, naturalmente demoram mais tempo. Pior de
tudo, desconfiam da sua importância.
A vossa influência económica é menor do que vós
achais e a vossa influência política é menor do que
nós achamos. Mas em ambos os casos é significativa.
Um dos maiores problemas nacionais é os nossos
empresários não compreenderem a sua própria
importância. Décadas de tutela política sob o
condicionamento corporativo, seguidas de décadas de
retórica esquerdista demonizadora dos capitalistas
têm efeito. Parece que a culpa e o mérito de tudo é
do Governo. Somos um país paternalista, que passa a
vida a falar do árbitro sem chutar à baliza.
Até há 20 anos as empresas estavam obcecadas com a
política. Hoje, na Europa, as coisas melhoraram, mas
as forças económicas ainda têm influência diminutas
no aparelho social. Somos um dos países
desenvolvidos onde a opinião empresarial é menos
activa e respeitada. Dela depende a solução da
crise.
Mesmo na vertente financeira. O nosso problema hoje
é reduzir o défice externo em cerca de nove pontos
percentuais (pp) do PIB. É bom lembrar que nos dois
programas anteriores do FMI, em Maio de 1978 e
Outubro de 1983, foi preciso cortar 7,3 pp no
primeiro e 12,0 no segundo. Mas, durante esse
esforço, o contributo das contas públicas foi sempre
negativo, agravando-se 1,7 pp e 1,8 pp,
respectivamente. O que significa que, mesmo com o
FMI, o Estado só complicou e foi o sector privado
que suportou todo o trabalho, ajustando uns brutais
9,6 pp do PIB na primeira vez e 14,2 na segunda.
Agora, mesmo que o Orçamento ajude alguma coisa, a
maior factura da austeridade caberá a famílias e
empresas. Isso é já bem claro. Em 2010, o défice
externo foi quase igual ao orçamental, significando
que o sector privado está equilibrado. Só falta
compensarmos aquilo que o Estado não consegue fazer.
Além disso, como também se está a ver, o suposto
rigor das contas públicas acaba sempre pago por nós.
Mas, como vós sabeis bem, o problema estrutural de
Portugal não é financeiro. É económico. E uma das
causas mais influentes dessa paralisia está no vício
que o senhor Presidente da República identificou no
discurso de posse: "Em vários sectores da vida
nacional, com destaque para o mundo das empresas,
emergiram nos últimos anos sinais de uma cultura
altamente nociva, assente na criação de laços pouco
transparentes de dependência com os poderes
públicos, fruto, em parte, das formas de influência
e de domínio que o crescimento desmesurado do peso
do Estado propicia." Este é o bloqueio que, mais que
tudo, imobiliza a nossa economia. Só se fala do
árbitro. Aqui, como também sabem, são as grandes
empresas as principais responsáveis.
Portugal já viveu crises bastante graves. Muitos de
vós gerem empresas que sobreviveram a esses tempos
difíceis. Em certos casos até foram os vossos avós,
pais e tios que tiveram então a responsabilidade de
guiar essas companhias nas tempestades. A presente
borrasca é menos séria que as piores, mas tem
inegável gravidade. Hoje, como então, os políticos
deixam a desejar. A economia precisa de liderança,
iniciativa e criatividade. Sem vós, não está cá mais
ninguém para dar isso.