Portugal e os portugueses são capazes de fazer
melhor
José Manuel Fernandes
O nosso maior risco é não mudar por receio da
mudança. Dessa paralisia é que devemos ter medo
Um fraco rei faz fraca a forte gente, escreveu Luis
de Camões. Mal sabia ele como o destino próximo (D.
Sebastião) e o destino longínquo (a quase bancarrota
de 2011) lhe dariam razão. Mais: como a história da
Humanidade nestes cinco séculos confirmaria uma
intuição que, mais do que assente na fulanização dos
destinos colectivos, permite compreender a
importância das instituições e das políticas no
sucesso e no insucesso das nações. Convém recordá-lo
para recuperarmos a esperança, pois se não podemos
mudar de povo, podemos de hábitos e de líderes.
Max Weber associou, no princípio do século XX, o
sucesso do Ocidente (e o triunfo do capitalismo) ao
tipo de cultura que se desenvolvera na Europa do
Norte a partir de Idade Média e ao que designou de
"ética protestante". Mais recentemente David Landes,
em A Riqueza e a Pobreza das Nações, desenvolveu
esse argumento mas reconheceu também a importância
das instituições. Por fim, o historiador Niall
Fergusson, numa obra acabada de publicar -
Civilization, The West and the Rest -, chama a
atenção para o facto de, mesmo considerando que as
instituições e as lideranças são fruto da cultura de
uma nação, a imposição de instituições erradas poder
"tornar fraca a forte gente". E dá três exemplos do
século XX: os destinos diferentes dos alemães na RFA
e na RDA, dos coreanos do Norte e do Sul e dos
chineses na República Popular ou em Hong Kong e na
Formosa.
Servem estas brevíssimas referências a uma antiga
discussão - o porquê do triunfo do Ocidente - para
sublinhar um ponto que, nestes dias de sombras e de
ruínas, tem sido muitas vezes esquecido: Portugal e
os portugueses são capazes de fazer melhor. Os
portugueses fazem todos os dias melhor quando
enquadrados por instituições mais saudáveis e em
ambientes onde os estímulos são os correctos, como
mostram os nossos emigrantes ou como se comprova na
Autoeuropa (onde o Código do Trabalho não é
cumprido, mas é cumprido o acordo com os
trabalhadores). E Portugal foi, entre 1960 e 1998,
um país apontado como exemplo de crescimento e
rápida modernização, um país que viveu dois booms
impressionantes (entre 1965 e 1973 e na segunda
metade da década de 1980).
Ou seja, foi e é possível. Desde que os tempos sejam
de mudança.
Na sua comunicação ao país, o Presidente da
República sublinhou a importância de "aproveitar
este tempo difícil" para "mudar de vida e construir
uma economia saudável". Disse mesmo que não temos
outra opção senão "acabarmos com vícios que afectam
o funcionamento do Estado, das empresas e dos
mercados". O que passa por "trabalhar melhor e
poupar mais". Resta saber como fazê-lo.
Niall Ferguson procurou, na obra citada,
sistematizar o "conjunto de instituições e de ideias
e comportamentos" que permitiram o rápido
desenvolvimento do Ocidente até uma hegemonia
mundial para a qual, há 500 anos, o milenar Império
Chinês parecia mais fadado. E o primeiro factor que
identificou foi a existência, na Europa, de uma
forte concorrência não só entre Estados, como no
interior de cada Estado, concorrência essa que
potenciou a inovação e levou a que se procurasse
sempre mais e melhor. "Porque é que Vasco da Gama
procurava de forma tão desesperada a riqueza - e
matava em nome dela?", interroga-se Ferguson depois
de descrever algumas das brutalidades do grande
navegador. "Podemos ver a resposta olhando para o
mapa da Europa medieval, onde encontraremos centenas
de Estados que competiam entre si".
Se pensarmos que um Mercedes ou um BMW são fruto da
concorrência pela excelência e que um Trabant
representava o maior triunfo do "planeamento
estatal", não é difícil transpor para a actualidade
a importância deste primeiro factor identificado por
Ferguson, até porque ele simboliza bem o que
separava a cultura política da triunfante RFA das
opressivas regras da RDA. Numa escala diferente, sem
sairmos da referência central do Estado de direito
democrático, a experiência sueca também nos mostra
como a introdução de concorrência na prestação dos
serviços públicos permitiu resgatar o Estado social
da falência. Há 20 anos, o Estado sueco ainda
assegurava o monopólio absoluto da prestação de
serviços sociais e oferecia regimes de protecção tão
vantajosos que corroeram a ética do trabalho, pois
quase não era necessário trabalhar para viver
confortavelmente. Até que o país cuja economia mais
crescera em todo o mundo nos 150 anos anteriores
entrou em crise, percebeu os limites do seu "Estado-ama-seca"
e escolheu políticos que propunham a liberdade de
escolha entre prestadores de serviços públicos. Em
duas décadas a Suécia trocou o seu "Estado-tutor"
por um "Estado facilitador", reduziu em quase 20
pontos a despesa pública, retomou o crescimento
económico e até tem conseguido reduzir a sua dívida
pública.
Introduzir mais concorrência em todos os sectores da
nossa vida económica e social, inclusive na
Administração Pública, não requer reformas muito
complicadas, mas fará com que todos, mesmo os
instalados, se sintam menos confortáveis nas suas
inércias e sejam obrigados a trabalhar melhor. A 5
de Junho também temos de fazer essa opção, mesmo que
isso comporte sempre algum risco. Só que o nosso
maior risco é não mudar. Do que devemos ter medo é
da paralisia defensiva. Jornalista