Dar o que se pode para a fome dos outros Carlos Pessoa
Bruno Neves não pára. Encaminha os novos voluntários
que vão chegando, atende o telemóvel que não dá
descanso, orienta a evacuação dos contentores cheios
de alimentos...
Está nisto desde as oito e meia da manhã, já passa
das quatro da tarde e ainda não teve tempo para
almoçar. "Isto" é a coordenação das operações do
Banco Alimentar contra a Fome no hipermercado
Continente do Colombo, em Lisboa. Ao todo, são entre
150 e 200 voluntários que, durante o dia de ontem e
a manhã de hoje, dão a cara nesta operação. Bruno
Neves espera que seja batido o recorde de 15
toneladas de alimentos recolhidas na campanha de há
um ano naquela mesma grande superfície.
O cansaço é visível no rosto deste jovem quadro (31
anos) de uma multinacional do sector alimentar.
Cinco anos e dez campanhas voluntárias depois, uma
acção desta natureza já não tem segredos, mas
continua a exigir muito esforço físico e
concentração. Não é caso para menos, pois este é o
ponto que mais contribui para o volume total de
alimentos recolhidos (entre 400 e 450 toneladas) na
área da Grande Lisboa em cada campanha.
Ao começo da tarde já estavam contabilizados 12
contentores cheios, cada um deles com cerca de 400
quilos de produtos. "As coisas estão a correr bem. A
manhã foi muito produtiva e espero poder dizer o
mesmo ao fim do dia", comenta Bruno Neves.
Miriam Alves, 18 anos, estudante do Pragal, é uma
das voluntárias que entrega sacos a quem entra no
estabelecimento. Veio porque está a fazer um
trabalho escolar sobre voluntariado e esta
experiência completa-o de alguma forma. Além disso,
gosta da sensação "de poder ajudar quem precisa".
Não é a sua primeira campanha e, por isso, já não
estranha as diferentes reacções. "Há quem aceite os
sacos, há quem nos ignore e há também quem venha
pedi-los."
Carlos Carvalho e Maria Camila Megre são
"veteranos", com muitas campanhas do Banco Alimentar
nos seus currículos. O primeiro fala da "afluência
fraca" registada ao começo da tarde de ontem. A
segunda confessa ter a impressão que os sacos
entregues estavam mais vazios do que em anteriores
campanhas: "Talvez seja por causa da crise, por
haver menos dinheiro..." Muito ou pouco, o que é
dado corresponde ao que se pediu - leite, azeite,
açúcar, óleo, massas, cereais, bolachas, salsichas
-, confirma Bruno Neves.
Quem dá, dá o que pode. Cátia Caroço, estudante,
entrega um saco com "o mesmo de outras vezes": "Não
custa nada ajudar outras pessoas com dificuldades."
José Nunes Pereira, estagiário de advocacia, pede
desculpa por ter perdido o saco e transfere do seu
próprio saco os produtos a oferecer. "Costumo dar
mais ou menos o mesmo. Depende do estado...",
acrescenta com um sorriso. Maria da Luz Sacadura, 86
anos, reformada, veio de propósito ao supermercado
"para dar a quem tem fome". Pedro Neves de Melo,
também reformado mas à frente de uma firma por conta
própria, entrega o seu saco e agradece a iniciativa
do Banco Alimentar. "Dou sempre, é minha obrigação.
Dentro de dois anos, quando arrumar os meus
negócios, conto estar a trabalhar por esta causa."