Lei que despenalizou a IVG entrou em vigor há dois
anos Segundo aborto devia ser a pagar, diz director do
Hospital de Santa Maria
Natália Faria
As mulheres que fazem mais do que um aborto deviam
começar a pagar pela segunda interrupção, preconizou
ao PÚBLICO Luís Graça, director do Serviço de
Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria
(HSM).
Apesar de fazer um balanço "extremamente positivo"
dos primeiros dois anos de vigência da lei - que
despenaliza o aborto até às dez semanas - que hoje
se assinalam, aquele responsável lembra que, desde o
início do ano, mais de 20 mulheres recorreram ao HSM
para fazer um segundo aborto. "Se estas mulheres
tivessem que pagar o custo hospitalar da segunda IVG,
pelo menos pensariam duas vezes", declarou Luís
Graça.
"Em Inglaterra, a primeira interrupção é gratuita e
a segunda é a pagar. Creio que isso ajudaria estas
mulheres a perceber que isto tem um custo e que a
disposição da sociedade para lhes pagar o direito a
fazer um aborto tem limites", insiste Graça,
ressalvando que o preço "teria que ser sempre mais
baixo que o aborto na clandestinidade".
No HSM, duas em cada três mulheres não aparecem à
consulta de planeamento familiar que, nos termos da
lei, deve ocorrer no prazo de um mês após o aborto.
"É a negligência pura e simples. Algumas mulheres
não fazem anticoncepção e jogam na sorte, o que é
muito triste para quem, como eu, se bateu muito por
esta lei", lamenta.
Esta posição não é consensual. Admitindo que
"algumas mulheres têm repetido o aborto", o director
da Maternidade Alfredo da Costa, Jorge Branco,
considera que tal não permite concluir que tenha
havido negligência ao nível da contracepção. "Temos
mulheres que repetem a interrupção mas não podemos
deixar de a fazer, até porque a lei não limita o
número de abortos por mulher", sublinha. De resto,
para Branco, que coordena o Programa Nacional de
Saúde Reprodutiva, limitar o número de abortos
empurraria muitas mulheres de volta ao circuito
clandestino. "Seria andar para trás. E a legalização
da IVG surgiu precisamente para evitar situações que
possam pôr em perigo a vida da mulher".
Porque os números divulgados pela Direcção-Geral de
Saúde (DGS) mostram que 433 mulheres que fizeram IVG
em 2008 já tinham quatro abortos no seu historial, a
Associação de Planeamento Familiar (APF) promete
fazer um estudo sobre as razões que levam as
mulheres a repetir abortos num curto espaço de
tempo. "A ideia é apurar os contextos e as razões
das gravidezes não planeadas e, a partir daí,
desenvolver acções que previnam esses comportamentos
de risco", adiantou Duarte Vilar, director executivo
da APF.
Ligeiro aumento em 2009
Numa coisa os profissionais da saúde concordam:
"Deixámos de ter nas urgências hospitalares as
consequências do aborto clandestino. Praticamente já
não fazemos corretagens e isso é um grande ganho em
termos de saúde", sintetizou Luís Graça. "Num ano,
quase 18 mil mulheres puderam interromper uma
gravidez não desejada sem terem de se submeter à
indignidade do aborto ilegal", reforça Duarte Vilar.
Quanto aos números, só em Agosto é que a
Direcção-Geral de Saúde (DGS) deverá divulgar as
estatísticas do aborto no primeiro semestre de 2009.
Nas instituições contactadas pelo PÚBLICO,
registou-se um ligeiro aumento. "É uma variação
sazonal normal, inferior a cinco por cento",
minimizou Luís Graça, para especificar que, a
manter-se o ritmo actual, "isto significa que, no
fim do ano, "o Santa Maria terá feito 525 abortos,
em vez dos 500 do ano passado". Já na Maternidade
Alfredo da Costa, nos primeiros cinco meses deste
ano, tinham sido registadas mais 51 IVG do que no
mesmo período de 2008. "Fizemos 765 e, no ano
passado, tínhamos feito 714", adiantou Branco.
Isilda Pegado, presidente da Federação Portuguesa
pela Vida, continua a lamentar que a lei não seja
acompanhada de um quadro de estruturas de apoio à
mulher. "Algumas que chegam às nossas instituições
desistem do aborto depois de ajudas tão simples como
as que lhes dão a conhecer os apoios sociais
existentes", exemplifica, considerando "escandaloso"
que, dois anos depois, o Tribunal Constitucional
continue sem se pronunciar quanto ao pedido de
fiscalização sucessiva da lei. "Os 40 deputados
pediam tão simplesmente que o tribunal dissesse se
esta lei, da forma como está feita, protege o
direito à vida como vem consagrado no artigo 26.º da
Constituição".