O Orçamento é necessário para o Governo continuar,
para não haver agora uma eleição intercalar e para
satisfazer a "comunidade" financeira internacional.
O Presidente da República quer o Orçamento aprovado.
O Sócrates quer o Orçamento aprovado. E até a
oposição quer o Orçamento aprovado. As pressões para
que o PSD e o CDS se entendam com o PS crescem dia a
dia e parece que estão a dar resultado. Basta ler as
declarações dos negociadores. Manuela Ferreira Leite
diz que a primeira reunião foi "correcta e
frutuosa", Luís Queiró (pelo CDS) diz que "há espaço
para continuar a conversar" e mesmo José Manuel
Pureza (pelo Bloco) foi dizendo "que não saímos
propriamente insatisfeitos no sentido em que tudo
acabou, não é isso". A gente, cá de fora, imagina
que sim.
Mas, para além da sobrevivência imediata, ninguém
pensa no que precisamente se negociou e qual é a
utilidade do que se negociou. Não chegámos por acaso
ou de repente a esta situação quase catastrófica.
Sem anos de erros sobre erros, de políticas
suicidas, de incúria, de corrupção e de cegueira não
nos tínhamos metido neste aperto. E, hoje, quando
acabou o espaço e o tempo para qualquer espécie de
dilação e paliativos, persistimos, com angústia ou
sem ela, no oportunismo de sempre. Em S. Bento, os
partidos trocam gravemente um imposto por outro,
aumentam aqui e diminuem ali e cada um procura sair
com alguma coisa, por pouco que seja, que sirva o
seu particular interesse e segure o seu voto. Apesar
do que por aí se proclama em contrário, o Orçamento,
para eles, não é um instrumento para reformar e
reorientar o país. No fundo, como se verá, não passa
de uma engenhoca eleitoral e de um álibi para
agências de rating.
Nem a Assembleia, nem o Presidente se perguntam por
que razão Portugal recaiu no velho vício do
endividamento externo e interno, que lentamente
corrompeu a Monarquia Liberal e liquidou à nascença
a I República. E se por milagre se perguntassem, não
sabiam responder. Discutir o Orçamento - e, pior
ainda, segundo consta, um plano a longo prazo para
"solidificar" as finanças públicas - sem uma palavra
sobre a administração central e local, sobre a
corrupção, sobre a justiça e, principalmente, sobre
a eficácia e papel do Estado Providência, é um
absurdo. As "vozes do derrotismo" são hoje,
infelizmente, a "voz da realidade". Cassandra,
afinal, não se enganou.