Público - 16 Jan 2010

 

As vozes do derrotismo
Vasco Pulido Valente

O Orçamento é necessário para o Governo continuar, para não haver agora uma eleição intercalar e para satisfazer a "comunidade" financeira internacional. O Presidente da República quer o Orçamento aprovado. O Sócrates quer o Orçamento aprovado. E até a oposição quer o Orçamento aprovado. As pressões para que o PSD e o CDS se entendam com o PS crescem dia a dia e parece que estão a dar resultado. Basta ler as declarações dos negociadores. Manuela Ferreira Leite diz que a primeira reunião foi "correcta e frutuosa", Luís Queiró (pelo CDS) diz que "há espaço para continuar a conversar" e mesmo José Manuel Pureza (pelo Bloco) foi dizendo "que não saímos propriamente insatisfeitos no sentido em que tudo acabou, não é isso". A gente, cá de fora, imagina que sim.

Mas, para além da sobrevivência imediata, ninguém pensa no que precisamente se negociou e qual é a utilidade do que se negociou. Não chegámos por acaso ou de repente a esta situação quase catastrófica. Sem anos de erros sobre erros, de políticas suicidas, de incúria, de corrupção e de cegueira não nos tínhamos metido neste aperto. E, hoje, quando acabou o espaço e o tempo para qualquer espécie de dilação e paliativos, persistimos, com angústia ou sem ela, no oportunismo de sempre. Em S. Bento, os partidos trocam gravemente um imposto por outro, aumentam aqui e diminuem ali e cada um procura sair com alguma coisa, por pouco que seja, que sirva o seu particular interesse e segure o seu voto. Apesar do que por aí se proclama em contrário, o Orçamento, para eles, não é um instrumento para reformar e reorientar o país. No fundo, como se verá, não passa de uma engenhoca eleitoral e de um álibi para agências de rating.

Nem a Assembleia, nem o Presidente se perguntam por que razão Portugal recaiu no velho vício do endividamento externo e interno, que lentamente corrompeu a Monarquia Liberal e liquidou à nascença a I República. E se por milagre se perguntassem, não sabiam responder. Discutir o Orçamento - e, pior ainda, segundo consta, um plano a longo prazo para "solidificar" as finanças públicas - sem uma palavra sobre a administração central e local, sobre a corrupção, sobre a justiça e, principalmente, sobre a eficácia e papel do Estado Providência, é um absurdo. As "vozes do derrotismo" são hoje, infelizmente, a "voz da realidade". Cassandra, afinal, não se enganou.