Não é surpreendente que a esquerda não tenha
permitido a realização do referendo sobre o
casamento homossexual
Não surpreende a recusa da esquerda de referendar a
lei que permite o casamento de pessoas do mesmo
sexo. Sabem que perdem. E a esquerda sempre
introduziu mudanças que afectaram a natureza do país
e da sociedade sem qualquer espécie de consulta
popular.
Foi assim na Primeira República: foi no Governo
Provisório que Afonso Costa, ministro da Justiça,
ordenou a expulsão das ordens religiosas e legislou
as disposições de marginalização e humilhação da
Igreja Católica, antes das eleições constituintes de
1911. E, em 1913, chefiando um governo democrático,
reduziu o eleitorado de 850 mil para menos de 400
mil eleitores, retirando o voto aos analfabetos e
aos militares. As mulheres, consideradas
conservadoras, nunca tiveram voto no tempo dos tão
progressistas democráticos. Comentava um
contemporâneo: "[...] os republicanos passaram a
legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas
leis mais importantes, e nunca as submetendo a
cortes constituintes, ou a qualquer espécie de
cortes. A lei do divórcio, as leis da família, a lei
da separação da Igreja do Estado - todas foram
decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e
ainda, decretos ditatoriais." O contemporâneo é
Fernando Pessoa.
Depois do 25 de Abril, as decisões mais importantes
sobre o país, como a descolonização e as
nacionalizações de 1975, foram tomadas pelo MFA e
pelos governos provisórios, não eleitos. E nunca
sujeitas a ratificação nacional. Foi a lei do facto
consumado, sem respeito pelo programa do MFA.
Desta vez é o Parlamento que toma a decisão. A
medida constava do programa de dois dos partidos
desta "maioria de esquerda" de circunstância. O PCP,
com medo de parecer reaccionário e "careta", tem de
seguir a banda.
Esta maioria operativa relaciona-se com o
oportunismo das agendas políticas: o PS é um partido
social-democrata, que nunca poderá - nas questões
económico-sociais, finanças, propriedade, leis do
trabalho - alinhar com o PCP e o BE. Mas tem de dar
uma satisfação à sua "esquerda" e aos pmics
(pequenos e médios intelectuais e comentadores de
serviço) que fazem nos media a chuva e o bom tempo.
Estas questões "de civilização" - que para a
esquerda libertária do BE são essenciais e para os
comunistas sem alternativa - são para o PS de
somenos. Para sossego do povo, junta-se a proibição
da adopção, discriminatório indício de que afinal
sempre haverá diferenças, e manobra hipócrita para
que na primeira oportunidade seja declarada
inconstitucional sob proposta dos mesmos grupos que
agora se contentam com a lei aprovada.
Vamos lutar pelo referendo. E, se tudo ficar assim,
podemos desabafar com o Luís Fernando Veríssimo -
"Fazer árvore genealógica daqui para a frente vai
ser..." complicado! (Ele diz outra coisa...).