É tão chato quando pretendem fazer de nós trouxas,
não é?...
Aqui há dias, vi na televisão um anúncio a um novo
medicamento para curar o herpes labial, aquelas
feridinhas incómodas que por vezes aparecem junto à
boca. Não sei se é bom ou mau, embora a publicidade
tenha garantido que era fantástico: põe-se um
pequeno penso e, zás!, já está sarado, já
desapareceu tudo. Óptimo.
Mesmo no final do anúncio, surgiu um texto no ecrã e
eu, naturalmente, comecei a lê-lo. Está bem... Nem
três palavras consegui ler: não ficou lá mais de um
segundo, desapareceu tão depressa como tinha
aparecido, parecia a bolhinha do lábio a evaporar-se
com a acção milagrosa do penso. Sei que sou um pouco
lento a ler, mas nem o super-homem, juro, teria
conseguido perceber mais de duas linhas do meteórico
escrito. E, cá para mim, aquilo até devia dizer
coisas relevantes, talvez as precauções a tomar
quanto ao medicamento, talvez algum aviso sobre os
exageros da cura prometida, talvez alguma daquelas
informações que, por lei, têm de ser fornecidas às
pessoas. Claro que a empresa dirá que cumpriu a lei:
o texto lá estava no fim do anúncio. Mas o facto de
ninguém conseguir lê-lo parece importar pouco... É
apenas para cumprir a formalidade - e fazer de nós
um pouco parvos. E da lei também.
Coisa parecida sucede volta e meia com spots
publicitários que passam na rádio, normalmente os
que oferecem coisas fabulosas como créditos a baixo
juro, automóveis em prestações suavíssimas,
propostas financeiras de enriquecimento garantido.
Apresentado o produto no seu melhor, vem depois um
senhor dizer umas coisas a uma velocidade
supersónica, tão supersónica que ninguém entende
duas palavras seguidas. Mais uma vez, é cumprir a
lei, dizer que se disse o que se era obrigado a
dizer, mesmo que nenhum ser vivo tenha apanhado
sequer uma pontinha da mensagem. Fazem de nós
trouxas, insisto. E da lei.
Não tenho nada contra a publicidade, bem pelo
contrário. Ainda na semana passada, uma docente e
investigadora da Universidade do Minho, de seu nome
Sara Balonas, apresentou uma interessantíssima tese
de mestrado em que estudava as enormes
potencialidades da linguagem e da técnica
publicitárias para a promoção de causas sociais
(ecologia, saúde, liberdade, prevenção rodoviária,
etc.). Com a sua força criativa, com o seu impacto,
com a sua capacidade de ir directamente ao assunto
de modo simples e apelativo, os anúncios podem ser
um inestimável veículo de mensagens úteis e
pedagógicas para a nossa vida em sociedade. E, mesmo
na promoção interessada de produtos comerciais, há
muitos e bons exemplos de lisura de processos, de
respeito pela inteligência, de convite à nossa
adesão livre e voluntária - e bem informada. Mas aí
não cabem aqueles que guardam para letras
pequeníssimas, no rodapé da página, alguns dados
essenciais. Nem os que os passam na rádio lidos a 78
rotações por minuto. Nem os que surgem na televisão
com a rapidez de um relâmpago, só para fazer de
conta que. Esses não. Esses pretendem fazer-nos
passar por parvos - e espero bem que não consigam.
Jornalista