Público - 24 Jan 07

 

A 100 à hora!

Joaquim Fidalgo

 

É tão chato quando pretendem fazer de nós trouxas, não é?...
Aqui há dias, vi na televisão um anúncio a um novo medicamento para curar o herpes labial, aquelas feridinhas incómodas que por vezes aparecem junto à boca. Não sei se é bom ou mau, embora a publicidade tenha garantido que era fantástico: põe-se um pequeno penso e, zás!, já está sarado, já desapareceu tudo. Óptimo.
Mesmo no final do anúncio, surgiu um texto no ecrã e eu, naturalmente, comecei a lê-lo. Está bem... Nem três palavras consegui ler: não ficou lá mais de um segundo, desapareceu tão depressa como tinha aparecido, parecia a bolhinha do lábio a evaporar-se com a acção milagrosa do penso. Sei que sou um pouco lento a ler, mas nem o super-homem, juro, teria conseguido perceber mais de duas linhas do meteórico escrito. E, cá para mim, aquilo até devia dizer coisas relevantes, talvez as precauções a tomar quanto ao medicamento, talvez algum aviso sobre os exageros da cura prometida, talvez alguma daquelas informações que, por lei, têm de ser fornecidas às pessoas. Claro que a empresa dirá que cumpriu a lei: o texto lá estava no fim do anúncio. Mas o facto de ninguém conseguir lê-lo parece importar pouco... É apenas para cumprir a formalidade - e fazer de nós um pouco parvos. E da lei também.
Coisa parecida sucede volta e meia com spots publicitários que passam na rádio, normalmente os que oferecem coisas fabulosas como créditos a baixo juro, automóveis em prestações suavíssimas, propostas financeiras de enriquecimento garantido. Apresentado o produto no seu melhor, vem depois um senhor dizer umas coisas a uma velocidade supersónica, tão supersónica que ninguém entende duas palavras seguidas. Mais uma vez, é cumprir a lei, dizer que se disse o que se era obrigado a dizer, mesmo que nenhum ser vivo tenha apanhado sequer uma pontinha da mensagem. Fazem de nós trouxas, insisto. E da lei.
Não tenho nada contra a publicidade, bem pelo contrário. Ainda na semana passada, uma docente e investigadora da Universidade do Minho, de seu nome Sara Balonas, apresentou uma interessantíssima tese de mestrado em que estudava as enormes potencialidades da linguagem e da técnica publicitárias para a promoção de causas sociais (ecologia, saúde, liberdade, prevenção rodoviária, etc.). Com a sua força criativa, com o seu impacto, com a sua capacidade de ir directamente ao assunto de modo simples e apelativo, os anúncios podem ser um inestimável veículo de mensagens úteis e pedagógicas para a nossa vida em sociedade. E, mesmo na promoção interessada de produtos comerciais, há muitos e bons exemplos de lisura de processos, de respeito pela inteligência, de convite à nossa adesão livre e voluntária - e bem informada. Mas aí não cabem aqueles que guardam para letras pequeníssimas, no rodapé da página, alguns dados essenciais. Nem os que os passam na rádio lidos a 78 rotações por minuto. Nem os que surgem na televisão com a rapidez de um relâmpago, só para fazer de conta que. Esses não. Esses pretendem fazer-nos passar por parvos - e espero bem que não consigam. Jornalista