Pelo que sei pela
desenvolvida peça que o "Jornal de Notícias"
publicou ontem, e por outras notícias que também
apareceram na imprensa, o Instituto da Droga e
Toxicodependência (IDT), está interessado em avaliar
a correspondência entre o consumo do álcool e drogas
em idade escolar e fenómenos como a violência
doméstica. Para isso, distribuiu um inquérito em
escolas públicas. O objectivo é conseguir respostas
de cerca de 100 mil alunos do 7.º ao 12.º ano e do
ensino secundário, em mais de 800 escolas. O que se
pretende obter com o inquérito e o que o inquérito
pergunta às crianças e adolescentes, constituem
coisas inteiramente diferentes. O IDT tem todo o
direito de querer saber se existe uma relação
directa entre violência doméstica e o consumo de
álcool ou drogas, entre os hábitos sexuais dos
progenitores e o consumo de "substâncias
psicoactivas" (cito de memória); mas não creio que a
coisa esteja a ser feita da melhor forma. E explico.
As instituições do Estado, ligadas ao Estado ou a
ele de alguma maneira associadas, bem como o próprio
Estado em geral, entendem que é seu dever dizer às
pessoas qual a melhor forma de vida. Propõem-lhes
(aos cidadãos) modos de vida saudável, de baixas
calorias e sem colesterol, ou proíbem-nos de fumar e
de frequentar praias de nudistas. É uma caricatura,
evidentemente, mas para lá caminharemos. Reconheço
que o Estado tem esse dever - o de se preocupar; mas
não admito que o Estado escolha por mim. Seja como
for, este inquérito do IDT constitui uma grave e
indelicada intromissão do Estado e de um dos seus
braços na vida das famílias e dos indivíduos.
Uma investigadora ligada ao IDT acha que é
importante saber se um dos pais "bate ou insulta
publicamente o outro, o impede de falar com amigos
ou família, impede o acesso ao dinheiro ou obriga a
ter relações sexuais" (ou o pai costuma agredir a
mãe com murros e pontapés). Para isso, tratou de
perguntar aos filhos se isso ocorria em casa. É um
método notável.
Houve um pai que protestou, em Setúbal. E uma escola
que se recusou a distribuir o inquérito (o director
do IDT sublinhou, portanto, que "há um número
bastante reduzido de pais a manifestar desagrado",
como se estas coisas tivessem de ser submetidas a
sufrágio a posteriori). Generosa e com intuitos
pedagógicos, a investigadora diz que "são perguntas
que têm de ser feitas", que o inquérito é anónimo e
que isto vai fazer os alunos pensar. Admito que sim.
Mas (ah, o "mas"!), para isso, não basta distribuir
o inquérito pedindo aos alunos do 7.º ano de
escolaridade que comentem a vida sexual dos pais ou
avaliem o seu desempenho social em público. Se a
ideia é fazer os alunos "pensar", talvez existam
outros meios; se a ideia é obter informações sobre a
vida familiar e sexual dos progenitores para avaliar
o uso de drogas, talvez seja conveniente ser mais
cuidadoso na forma como se obtêm as informações (até
porque, como se sublinha, a violência doméstica é
crime). Imagino o cruzamento de informações e de
dados que o inquérito iria resultar.
Carl Sagan, num dos seus livros terminais sobre a
falta de ciência na vida contemporânea ("The
Demon-Haunted World Science as a Candle in the
Dark") explicava como se chegou ao interessante
número que nos mostrava que 82% dos americanos foram
"vítimas de abuso sexual" na infância. Através de
inquéritos desta natureza em que o inquirido nunca é
confrontado com a sua resposta.
Na única vez que vi aquela parvoíce chamada
"Morangos com Açúcar", uma adolescente com ar
patético telefonava a um amigo dizendo-lhe mais ou
menos isto "Os meus pais vão divorciar-se.
Arranja-me droga." É uma explicação mais.