Imagens do enforcamento do ex-ditador iraquiano
foram mortais para três crianças. Imitar é normal,
mas desdramatizar a morte ou deixá-los sozinhos com
o ecrã pode ser fatal. Saiba qual a raíz do
problema e o que os pais podem fazer
Vivem sozinhos com a informação
despejada na televisão e na Internet. O vídeo
da execução de Saddam foi mortal para três crianças
que imitaram o enforcamento do ex-ditador iraquiano.
São os perigos da era da informação para a nova
geração. O PortugalDiário entrevistou uma
pedopsiquiatra que explicou onde está a raiz do
problema nestes fenómenos de imitação.
«As crianças fazem experiências:
imitam os lutadores de wrestling e as façanhas dos
desportos radicais. Mas há acidentes. E estes casos
são a prova de que as crianças não podem ver
sozinhas imagens violentas, descontextualizadas, sem
que lhes seja explicado a gravidade do que estão a
ver», diz Marta Vidal, neuropsicóloga infantil.
«Começam desde pequenos. Ficam
horas colados ao ecrã. Quando forem um pouco mais
crescidos será impossível impedi-los de estarem oito
ou dez horas na Internet ou frente à televisão. Para
elas é um direito adquirido, que não vão permitir
que lhes seja retirado». Por isso, Marta Vidal é da
opinião que as crianças não devem ter no quarto
computadores ou televisores. «A televisão e a
Internet deve estar no espaço comum, para que as
crianças sejam acompanhadas nestas actividades».
Desdramatizar a morte é um
erro
É que as práticas parentais podem
fazer toda a diferença. «É preciso abordar os temas,
acompanhá-los a ver televisão, estar ao pé deles
quando brincam na Internet, comentar este e aquele
assunto e sobretudo deixar de desdramatizar tudo».
Esse é, para esta especialista em
psicologia infantil, o problema dos tempos modernos.
«Os pais desdramatizam a morte, não explicam aos
filhos a irreversibilidade da morte».
A criança que perdeu a vida nos
Estados Unidos, depois de se ter enforcado com uma
corda no seu beliche, tinha escrito um bilhete
prometendo à mãe uma prenda de Natal para o ano.
«As crianças não tem noção das
operações irreversíveis» - uma terminologia criada
por Piaget -, explica Marta Vidal, «porque só
conseguem entender o conceito a partir dos 11 anos,
e depende sempre do seu grau de maturidade». Acresce
a esta limitação própria da idade, os pais
desdramatizarem o tema e usarem expressões como
«está a dormir ou foi para um sítio melhor» quando
se referem a alguém que faleceu. Ou seja, «as
crianças acham que a morte é apenas um estádio ou
até uma coisa boa».
Televisão e Internet: imagens
sem controlo
«Antigamente dizia-se que as
crianças deveriam ver televisão para estarem
informadas do mundo e da actualidade. Hoje em dia é
pior terem acesso à informação», atira Marta Vidal,
que aponta o dedo às televisões. «A meio de um
programa próprio para crianças, ou não nocivo,
introduzem um separador promocional para outro
programa com cenas de sexo ou violência. São imagens
descontextualizadas, que desaparecem num fósforo, e
que os pais nem sequer têm tempo para comentar».
Claro que «é impossível impedir
que elas vejam televisão: o fruto proibido é sempre
o mais apetecido», mas é preciso acompanhá-las
enquanto são bombardeadas com informação. E não
colorir demasiado a realidade. Até porque, no caso
do vídeo de Saddam, a realidade era tão crua que
parecia ficção.