Portugal Diário - 06 Jan 07

 

Os perigos do vídeo de Saddam

 

Imagens do enforcamento do ex-ditador iraquiano foram mortais para três crianças. Imitar é normal, mas desdramatizar a morte ou deixá-los sozinhos com o ecrã pode ser fatal. Saiba qual a raíz do problema e o que os pais podem fazer

Vivem sozinhos com a informação despejada na televisão e na Internet. O vídeo da execução de Saddam foi mortal para três crianças que imitaram o enforcamento do ex-ditador iraquiano. São os perigos da era da informação para a nova geração. O PortugalDiário entrevistou uma pedopsiquiatra que explicou onde está a raiz do problema nestes fenómenos de imitação.

«As crianças fazem experiências: imitam os lutadores de wrestling e as façanhas dos desportos radicais. Mas há acidentes. E estes casos são a prova de que as crianças não podem ver sozinhas imagens violentas, descontextualizadas, sem que lhes seja explicado a gravidade do que estão a ver», diz Marta Vidal, neuropsicóloga infantil.

«Começam desde pequenos. Ficam horas colados ao ecrã. Quando forem um pouco mais crescidos será impossível impedi-los de estarem oito ou dez horas na Internet ou frente à televisão. Para elas é um direito adquirido, que não vão permitir que lhes seja retirado». Por isso, Marta Vidal é da opinião que as crianças não devem ter no quarto computadores ou televisores. «A televisão e a Internet deve estar no espaço comum, para que as crianças sejam acompanhadas nestas actividades».

Desdramatizar a morte é um erro

É que as práticas parentais podem fazer toda a diferença. «É preciso abordar os temas, acompanhá-los a ver televisão, estar ao pé deles quando brincam na Internet, comentar este e aquele assunto e sobretudo deixar de desdramatizar tudo».

Esse é, para esta especialista em psicologia infantil, o problema dos tempos modernos. «Os pais desdramatizam a morte, não explicam aos filhos a irreversibilidade da morte».

A criança que perdeu a vida nos Estados Unidos, depois de se ter enforcado com uma corda no seu beliche, tinha escrito um bilhete prometendo à mãe uma prenda de Natal para o ano.

«As crianças não tem noção das operações irreversíveis» - uma terminologia criada por Piaget -, explica Marta Vidal, «porque só conseguem entender o conceito a partir dos 11 anos, e depende sempre do seu grau de maturidade». Acresce a esta limitação própria da idade, os pais desdramatizarem o tema e usarem expressões como «está a dormir ou foi para um sítio melhor» quando se referem a alguém que faleceu. Ou seja, «as crianças acham que a morte é apenas um estádio ou até uma coisa boa».

Televisão e Internet: imagens sem controlo

«Antigamente dizia-se que as crianças deveriam ver televisão para estarem informadas do mundo e da actualidade. Hoje em dia é pior terem acesso à informação», atira Marta Vidal, que aponta o dedo às televisões. «A meio de um programa próprio para crianças, ou não nocivo, introduzem um separador promocional para outro programa com cenas de sexo ou violência. São imagens descontextualizadas, que desaparecem num fósforo, e que os pais nem sequer têm tempo para comentar».

Claro que «é impossível impedir que elas vejam televisão: o fruto proibido é sempre o mais apetecido», mas é preciso acompanhá-las enquanto são bombardeadas com informação. E não colorir demasiado a realidade. Até porque, no caso do vídeo de Saddam, a realidade era tão crua que parecia ficção.