Com o Governo em cuidados paliativos, há que
preparar a autópsia. As gerações futuras não podem
desperdiçar as lições preciosas de tantas
experiências desastradas. Tolices foram muitas e
variadas; a mais paradoxal é a "quase boa ideia". O
Governo de José Sócrates apresentou múltiplos
projectos, programas e sugestões que pareciam mesmo
excelentes. Não eram.
Todos sabemos que foi feita uma quase reforma da
administração pública, reestruturações hesitantes na
saúde e educação, mudanças parciais na Segurança
Social. Em todos os casos faltou sempre um
bocadinho.
O mais espantoso porém foram os sucessos
proclamados. A 17 de Janeiro, na Cimeira Mundial de
Energia no Abu Dhabi, o senhor primeiro-ministro
disse que Portugal é o "segundo país da Europa em
energia eólica... líder mundial nesta área graças a
reformas e investimentos nos últimos seis anos"
(Lusa). Se tem assim tantas vantagens, porque
hesitam os países ricos? Será que são todos parvos?
Ou seremos nós os parolos que se atiraram à maluca
para uma técnica da moda, sem pesar custos, medir
inconvenientes, ponderar alternativas? A resposta
está na monstruosa factura e no enorme défice
tarifário que o Orçamento escondeu e agora rebenta.
Mas parecia uma ideia tão boa!
O caso mais brilhante está nas tecnologias da
informação, onde se apostou a fundo. Os custos do
e-government foram enormes. Os resultados viram-se,
por exemplo, na eleição presidencial. O sofisticado
cartão de cidadão permite imensas funcionalidades,
como votar. Desde que os computadores funcionem.
Quando falham, como no dia 23 de Janeiro, então o
velhinho cartão de eleitor, certamente o mais
humilde dos documentos e já extinto desde 2008, foi
muito melhor que a tecnologia avançada. Quando algo
corre mal, a quase boa ideia é... insistir na
tolice! A forma de o Governo resolver a trapalhada
foi eliminar de vez o número de eleitor. Assim, no
próximo sufrágio ninguém será favorecido pelos
cartões de papel, garantindo igualdade dos cidadãos.
Se o percalço eleitoral é ridículo, as coisas ficam
sinistras ao falar do fisco. Em nome da eficiência,
os contribuintes são agora obrigados a apresentar
electronicamente declarações e até recibos verdes.
Compreendem-se as vantagens. O que é inaceitável é a
imposição. Regressámos ao papel selado, agora
virtual. A forma séria seria criar incentivos ao uso
da Net, por exemplo impondo custos ao papel. Mas a
arrogância fiscal não sabe o que isso seja. Assim
deixa de ser um serviço público, reservando o
direito de admissão. É intolerável que uma
instituição nacional se recuse a lidar com os
contribuintes pelos meios comuns, forçando-os a
despesas adicionais para cumprirem os deveres. Que,
para mais, permitem novas exigências que prejudicam
os cidadãos. Agora roubam o benefício fiscal às
facturas sem número de contribuinte impresso.
Pior que tolice e agressão, as tecnologias podem
tornar-se infâmia quando prejudicam os pobres
fingindo promover a justiça. Em Agosto passado foi
anunciado: "Quatrocentas mil famílias beneficiárias
de prestações sociais, como o rendimento social de
inserção, o abono de família ou o subsídio social de
desemprego, têm de fazer a prova de rendimentos
através da página de Internet da Segurança
Social.... Caso não façam a prova de rendimentos, os
beneficiários podem ver estes subsídios cortados"
(RTP 28/08/2010). Este mês começam a ser perdidos os
apoios. Não são precisos comentários. Atrás da
tecnologia já nem sequer há vergonha!
Podíamos continuar a lista das "quase boas ideias"
como o Magalhães, plano tecnológico, TGV, novo
aeroporto e tantos projectos que iam lançar Portugal
na modernidade. O Governo, enquanto arruína o
Orçamento, endivida o País, estrangula a economia,
adia ou atrapalha reformas estruturais, orgulha-se
de algumas ideias onde aposta a sua reputação. O mal
foi sempre que a finalidade nunca era resolver
problemas, mas o espalhafato da própria tecnologia.
Não se queria melhorar a situação, apenas brilhar
com soluções aparatosas. Todas quase boas ideias.