Os homens crescem mais nas tormentas que na bonança.
Por isso vivemos hoje uma ímpar oportunidade
histórica: podemos finalmente dar o salto que falta
para nos confirmar no ritmo do futuro.
Depois de ser líder cultural no Renascimento,
lançando e conduzindo a gesta da globalização
marítima, o pequeno Portugal deu-se mal na época
civilizacional seguinte. Não foi por os ideais
iluministas terem chegado tarde ou demorado a
estabelecer-se. A penetração começou em meados de
setecentos com o marquês de Pombal e, após dura
guerra civil, estavam definitiva e triunfantemente
implantados a partir de 1834. A maioria dos países
europeus sofreu um reaccionarismo mais longo,
demorando a adquirir estavelmente um regime aberto.
Ao contrário do que se diz, o problema nunca esteve
no atraso da modernização. Aliás, o País antecipou
várias ideias que a Europa viria a aplicar, como a
abolição da pena de morte ou a criação do banco
central. O mal sempre foi a qualidade dos nossos
modernistas. A podridão do Liberalismo e a canalhice
da República mostram bem o fiasco da variante
lusitana de progresso. O mais irónico é que os
nossos intelectuais costumam desprezar o povo e a
cultura nacional, quando o único grande defeito do
País está na mediocridade das elites.
A inversão desse fiasco deu-se porque
comparativamente os fascistas portugueses foram
melhores que as alternativas. Ao contrário dos
outros regimes autoritários europeus (e das
tentativas democráticas nacionais), o resultado do
salazarismo foi um país seguro, estável e
progressivo. Assim, a revolução de 1974 pode trazer
a grande oportunidade para Portugal, finalmente,
conseguir um regime aberto, pacífico, dinâmico.
E correu muito bem! O nosso país ocupou enfim uma
posição digna e respeitável junto das nações
avançadas. Mas, após vinte anos de sucesso, surgiu
há quinze a terrível tentação da facilidade. A
Europa afinal não era um desafio, uma concorrência,
mas um hipermercado que fornecia fartura em doze
suaves prestações mensais. A sociedade pensou que a
prosperidade estava em promoção. Promessas, direitos
adquiridos, justas reivindicações, garantias,
exigências e obras públicas faziam o País acreditar
que o bem-estar era rápido e barato. A dívida
crescente foi o truque que suportou a ilusão.
Hoje somos um país europeu, livre e desenvolvido,
que enfrenta o último desafio, dominar a tentação
oportunista. Se aprendermos que o sucesso nunca está
adquirido e exige sempre esforço, seriedade e
criatividade, ultrapassaremos o obstáculo e
chegaremos ao grupo de países na frente do
progresso. Nas últimas décadas aprendemos tanto e
conquistámos posições. Falta apenas dominar a última
falácia para chegar ao destino. Vencendo a ilusão,
atingiremos enfim a condição de país próspero. Os
próximos anos determinarão se conseguimos ou não.
O obstáculo não são só os suspeitos do costume,
corrupção dos políticos, defeitos da administração,
educação, justiça e cultura. O obstáculo está também
nos que bramam contra os suspeitos do costume. O
inimigo que temos de vencer são as raivas, os
insultos, as lamúrias, os resmungos e as imprecações
ociosas. É preciso deixar-nos de tretas, apertar o
cinto, trabalhar mais e melhor. Cada um no seu sítio
tem de procurar a solução para a migalha da crise
que lhe compete, sem desculpas, zangas ou teorias.
Simplesmente subir ao nível europeu a pulso,
carregando às costas a mochila dos disparates
recentes. No cimo do penhasco está a modernidade. A
distância já não é longa.
Temos a democracia e a economia. Precisamos apenas
de realismo, serenidade, imaginação. Há que vencer
as fraudes e boçalidade dos dirigentes, mas também
os extremismos e insultos dos que desconfiam dos
dirigentes. Tal como a mentira da facilidade que
levou à crise foi a mesma que apodreceu o império em
meados do século XVI, também o inimigo actual é a
mesma tolice intelectual que paralisou o liberalismo
de oitocentos. A nossa geração tem à vista a
realidade de um novo Portugal, moderado,
inteligente, capaz. Esse pode vencer a crise.