Público - 10 Dez 09

 

O padre Malagrida já está em Copenhaga e o Marquês de Pombal vai a caminho
Helena Matos

As alterações climáticas sempre aconteceram e a instabilidade do clima sempre reduziu os homens à sua insignificância

Nas igrejas pode estar a diminuir o número de fiéis, mas nas ruas correm multidões de penitentes. Dizem que vão salvar o planeta e sobretudo comprazem-se em anunciar-lhe o fim, ora submerso como aconteceu à orgulhosa Atlântida, ora abrasado como terá sucedido em Sodoma e Gomorra. Àqueles que ousam questionar tal Apocalipse acusam de incredulidade e casos existem em que tentaram mesmo criminalizar a formulação destas dúvidas que vêem como uma heresia. E assim, dois séculos e meio após ter sido escrito o Juízo da Verdadeira Causa do Terramoto Que Padeceu a Corte de Lisboa, no primeiro de Novembro de 1755, o padre Gabriel Malagrida tornou-se não só uma obra actual como global.

Tudo o que neste século XXI acontece na Terra, seja uma trovoada na Austrália ou um nevão no Canadá, é o resultado das alterações climáticas, agora transformadas em crime humanamente nefando no sentido setecentista do termo. Nesse século XVIII em que Malagrida foi pregador, o terramoto de Lisboa foi visto como um sinal da ira divina. Cabe perguntar por que se teria zangado Deus em 1755 com esta cidade de Lisboa? Depende da fé dos acusadores. Para o jesuíta Malagrida a zanga de Deus provinha dos "intoleráveis pecados", como a vaidade, praticados nesta cidade. Para os protestantes aquela catástrofe nascia do desagrado divino com esta Lisboa onde se adoravam imagens, existia a Inquisição e se dizia missa em latim, o que, segundo eles, impedia o conhecimento da palavra de Deus e gerava a sua consequente fúria.

O resto desta história é razoavelmente conhecido: o padre Malagrida acabou queimado num auto-de-fé e o Marquês de Pombal reforçou os seus poderes. Das fúrias de Deus com os lisboetas deixou de se falar, até porque outras fúrias se abateram sobre o reino e a sua capital. Entretanto descobriu-se que os nossos antepassados, tenham sido eles os fenícios ou os gregos, acharam por bem fundar esta cidade numa zona de risco sísmico que nos dá os terramotos como das raras certezas das nossas vidas alfacinhas, com pecados ou sem eles.

Aquele espalhafato penitencial da pegada ecológica que esta semana anda por Copenhaga tem de facto muito dopalavreado dos pregadores que, comoo pobre Malagrida, aterrorizavam os nossos antepassados, associando os seus pecados aos tremores de terra, à perda das colheitas, àssecas ou à fúria das águas. As alterações climáticas sempre aconteceram e a instabilidade do clima sempre reduziu os homens, sejam eles das cavernas ou dos arranha-céus, à sua insignificância. Por isso em todos os tempos sempre existirão Malagridas a inventarem-nos responsabilidades naquilo que infelizmente não podemos evitar, como as catástrofes naturais, ou a agigantarem-nos os medose as culpas como está a acontecer actualmente com o aquecimento global que, recordo, sucede aoterror duma nova idade do gelo e à explosãodemográfica como os flagelos que, nas últimas décadas, nos garantiram que iam destruir o planeta.

Mas não sejamos inocentes: Malagrida não existe sem Pombal. Por Copenhaga circulam os herdeiros do autoritarismo iluminista que em cada catástrofe, seja ela real ou anunciada, vêem uma possibilidade de aumentar o seu poder para níveis que, não fosse esta ambiência catastrófica, não se aceitariam. As propostas que em nome da salvação do planeta se têm feito ouvir por parte de líderes como Sarkozy, Lula da Silva ou Zapatero provavelmente ficarão pelo meio do caminho à excepção óbvia da produção de milhares e milhares de regulamentos que aumentarão o poder dos governos não para melhorar a vida do ou no planeta, mas sim para complicar a existência dos comuns mortais e torná-los cada vez mais dependentes do poder político. Ensaísta O que têm em comum Liliane Bettencourt e a duquesa de Alba? São velhas - nasceram ambas na década de 20 do século passado - e muito ricas. A primeira herdou o império l"Oréal e a segunda é proprietária de um património cujo valor é difícil de quantificar mas onde se incluem títulos, palácios, quadros e propriedades agrícolas. Quer uma, quer outra, com os seus mais de 80 anos, mantêm relações de grande intimidade com homens muito mais novos, mais ou menos desprovidos de bens e, no caso do protegido de Liliane Bettencourt, com um passado preenchido com situações ambíguas do ponto de vista das dádivas que recebeu de gente velha e rica. Indiferentes a embaraços e remoques, ambas as mulheres resolveram manter estes relacionamentos. A duquesa de Alba traz os filhos à beira de um ataque de nervos com a possibilidade de verem os Goyas da família e quem sabe o próprio palácio sevilhano das Donas acabarem propriedade daquele senhor com ar de empregado de um café decadente. Quanto a Liliane Bettencourt, foi confrontada com um processo em que a sua filha questionava a sua capacidade mental para continuar a gerir os seus bens. Por agora, as velhas estão a ganhar, ou seja, a duquesa de Alba não diz que não casa e Liliane Bettencourt viu um tribunal indeferir as pretensões da filha. Mas o tempo corre contra elas, não só porque são velhas, mas também porque a mesma sociedade que tudo tolera aos jovens tem muito claro aquilo que os velhos podem ou não fazer e sobretudo o que não podem gastar. Quer se tenha para gastar uma grande fortuna ou uma pensão de sobrevivência. Muito provavelmente têm razão aqueles que acusam Liliane Bettencourt ou a duquesa de Alba de não estarem a gerir da melhor forma os seus bens ou de se estarem a deixar ludibriar. Mas suponhamos que em vez de oitenta e muitos anos as senhoras tinham 18 e se armavam em clones da Paris Hilton. Alguém pediria que fossem interditas por não serem capazes de gerir os seus bens e as suas pessoas? Se Liliane Bettencourt e a duquesa de Alba tivessem vinte anos, podiam queimar o dinheiro que os pais lhes deixaram que ninguém ousaria dizer que eram parvas ou que estavam malucas. Como são velhas exige-se-lhes que se transformem numa espécie de tranquilas usufrutuárias dos bens dos filhos e dos netos que felizmente para eles podem asnear à vontade.