O nosso 1.º de Dezembro é um feriado virtual. Como
todos os feriados históricos, aliás. A data
simboliza o dia que Portugal se rebelou contra o
domínio filipino, quando um grupo de conspiradores
foi até ao Paço da Ribeira exigir à duquesa de
Mântua que abdicasse do estatuto de regente. "Vossa
Realeza deseja sair por esta porta ou por aquela
janela?", foi o convite em modos suaves que lhe
fizeram. A duquesa optou pela porta e uma Revolução
educada, como quase sempre foram as nossas
revoluções, pôde começar.
O que se comemora é a independência do país contra
um invasor estrangeiro. Mas, hoje, isto da
independência significa o quê? Além de virtual, o
feriado parece anacrónico. Já não temos nem
independência, nem invasores que não tivéssemos
consentido ou desejado. O sentimento de sermos
independentes na política não esconde o cardápio
sombrio das nossas dependências económicas. Estamos
em crise e mais dependentes do que nunca do
exterior, de Espanha, de quem nos der a mão. A
Europa salva-nos todos os dias de um destino de
maior desgraça. Neste caso, a dependência só tem
sido uma bênção.
A celebração da nossa independência também não
esconde as muitas dependências individuais com que
cada um vive a sua vida. Em Portugal acumulamos
listas indetermináveis de dependências. Dependemos
do Estado e, como por cá o Estado se confunde com o
Governo, estamos sempre à mercê de quem ganha as
eleições. Dependemos de mil e uma leis e
regulamentos e de mil e uma interpretações sobre
essas leis e regulamentos, de funcionários que
dependem de outros funcionários e de superiores que
dependem de outros superiores, dos poderes do fisco
e dos corredores sinistros da nossa justiça abstrusa
e encaracolada. Basta sermos apanhados pelas malhas
de um para não sabermos o que esperar. Numa
magnífica entrevista ao i, António Barreto explicou
o mecanismo psicológico da dependência que continua
a crescer entre nós. A dependência é a incubadora do
medo e do silêncio. E o medo e o silêncio são os
piores inimigos duma democracia livre.
O que há para comemorar então no 1.º de Dezembro?
Há pouco tempo pus-me a pensar na seguinte pergunta:
será legítimo uma pessoa gostar e defender o seu
país se este, longe de ser recomendável, decente e
organizado, for antes um país sem futuro, cheio de
oportunistas, cleptomaníacos e governantes sem
escrúpulos? Teremos algum dever moral de defender um
país que parece ter sido capturado por uma rede de
predadores que usa o poder em seu próprio benefício?
Para alguns a resposta é fácil: "o meu país, certo
ou errado". Mas este patriotismo retórico nunca me
convenceu. O patriotismo não pode ser a exaltação
das virtudes de um país contra os outros, nem
assistir resignado ao nosso envilecimento colectivo.
Para minha informação, o meu amigo Eduardo Nogueira
Pinto fez-me ver há tempos que aquela frase célebre
tem uma formulação mais completa: "O meu país, certo
ou errado: se certo, que se mantenha certo; se
errado, que se torne certo".
Quer dizer então que a liberdade de existirmos como
país não serve de nada se não formos exigentes,
críticos, insatisfeitos, até que os aldrabões e os
governantes sem escrúpulos saiam dos lugares que
ocupam. Os conjurados de 1640 estavam descontentes
com quem os governava e resolveram por isso agir.
Este é o único sentido de independência que ainda
nos sobra. Já que este país é o nosso, não vamos
deixar que no-lo estraguem ainda mais. É uma luta
permanente. Jurista