Público - 04 Dez 08

 

O domingo contra a desumanização
Pedro Vaz Patto

 

O sentido tradicional do domingo tem o significado da recusa da absolutização da lógica económica

 

No âmbito das discussões em curso no Parlamento Europeu e relativas à directiva sobre tempo de trabalho, há quem procure realçar a importância de que o domingo continue a ser o dia consagrado ao repouso por excelência. É essa a posição de alguns deputados europeus de diferentes famílias políticas e também da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (Comece). Também em França (talvez o país europeu onde o trabalho dominical tem mais restrições) está a ser discutida esta questão.

 

A fidelidade às raízes cristãs da cultura europeia passa também por aqui. Tornar o domingo um dia como outro qualquer desfiguraria essa cultura. O respeito pelo domingo como dia de repouso está historicamente ligado à sua dimensão religiosa cristã, que acentua o primado de Deus e do Seu culto. Esta dimensão continua a ser importante para uma parte significativa (mesmo que minoritária) da população europeia e este facto não pode ser ignorado, em atenção ao valor da liberdade religiosa.

 

Mas o relevo particular do domingo não se restringe a este aspecto. Também enraizado na mensagem cristã, mas com um alcance que é partilhado por crentes e não crentes, o sentido tradicional do domingo tem o significado da recusa da absolutização da lógica económica, do primado da pessoa humana sobre essa lógica.

 

A pessoa humana e a harmonia da sua vida familiar e social não têm de se subordinar por inteiro aos ritmos da produção e do consumo, também estes têm de se subordinar aos ritmos da vida pessoal, familiar e social. O trabalho é para a pessoa e a sua família, e não o contrário.

 

Poder-se-á dizer que tudo isto é respeitado quando se consagra o direito ao repouso, independentemente do dia em que este possa ser gozado. No entanto, porque a pessoa não se realiza no isolamento individual, mas, antes de mais, na família, é forçoso que o dia de repouso seja o mesmo para todos os membros da família, cada um dos cônjuges e os filhos. E como a pessoa também se realiza na comunidade, também é forçoso que haja um dia de repouso comum, que facilite a realização de um leque variado de actividades associativas, de âmbito religioso, cultural e recreativo.

 

Dir-se-á, por outro lado, que pode ficar ao livre critério de cada um escolher, ou não, o domingo como dia de repouso. Porém, o pressuposto que preside a toda a legislação laboral assenta na realidade da menor força negocial dos trabalhadores, que, até por exigências de sobrevivência, são praticamente obrigados a aceitar as condições que lhe são propostas. Muitos terão que aceitar trabalhar ao domingo não porque queiram, mas porque não têm alternativa.

 

Há quem fale, a este respeito, em "ecologia social". E é legítimo associar, como o faz a Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia, esta questão à defesa do chamado "modelo social europeu".

 

Como o foi na Antiguidade, e como o foi nos primórdios da Revolução Industrial, o domingo pode ser, também hoje, uma barreira contra a desumanização. Juiz