O sentido tradicional do domingo tem o significado
da recusa da absolutização da lógica económica
No âmbito das discussões em curso no Parlamento
Europeu e relativas à directiva sobre tempo de
trabalho, há quem procure realçar a importância de
que o domingo continue a ser o dia consagrado ao
repouso por excelência. É essa a posição de alguns
deputados europeus de diferentes famílias políticas
e também da Comissão dos Episcopados da Comunidade
Europeia (Comece). Também em França (talvez o país
europeu onde o trabalho dominical tem mais
restrições) está a ser discutida esta questão.
A fidelidade às raízes cristãs da cultura europeia
passa também por aqui. Tornar o domingo um dia como
outro qualquer desfiguraria essa cultura. O respeito
pelo domingo como dia de repouso está historicamente
ligado à sua dimensão religiosa cristã, que acentua
o primado de Deus e do Seu culto. Esta dimensão
continua a ser importante para uma parte
significativa (mesmo que minoritária) da população
europeia e este facto não pode ser ignorado, em
atenção ao valor da liberdade religiosa.
Mas o relevo particular do domingo não se restringe
a este aspecto. Também enraizado na mensagem cristã,
mas com um alcance que é partilhado por crentes e
não crentes, o sentido tradicional do domingo tem o
significado da recusa da absolutização da lógica
económica, do primado da pessoa humana sobre essa
lógica.
A pessoa humana e a harmonia da sua vida familiar e
social não têm de se subordinar por inteiro aos
ritmos da produção e do consumo, também estes têm de
se subordinar aos ritmos da vida pessoal, familiar e
social. O trabalho é para a pessoa e a sua família,
e não o contrário.
Poder-se-á dizer que tudo isto é respeitado quando
se consagra o direito ao repouso, independentemente
do dia em que este possa ser gozado. No entanto,
porque a pessoa não se realiza no isolamento
individual, mas, antes de mais, na família, é
forçoso que o dia de repouso seja o mesmo para todos
os membros da família, cada um dos cônjuges e os
filhos. E como a pessoa também se realiza na
comunidade, também é forçoso que haja um dia de
repouso comum, que facilite a realização de um leque
variado de actividades associativas, de âmbito
religioso, cultural e recreativo.
Dir-se-á, por outro lado, que pode ficar ao livre
critério de cada um escolher, ou não, o domingo como
dia de repouso. Porém, o pressuposto que preside a
toda a legislação laboral assenta na realidade da
menor força negocial dos trabalhadores, que, até por
exigências de sobrevivência, são praticamente
obrigados a aceitar as condições que lhe são
propostas. Muitos terão que aceitar trabalhar ao
domingo não porque queiram, mas porque não têm
alternativa.
Há quem fale, a este respeito, em "ecologia social".
E é legítimo associar, como o faz a Comissão dos
Episcopados da Comunidade Europeia, esta questão à
defesa do chamado "modelo social europeu".
Como o foi na Antiguidade, e como o foi nos
primórdios da Revolução Industrial, o domingo pode
ser, também hoje, uma barreira contra a
desumanização. Juiz