Lisboa tem cada vez mais casas vazias e menos
residentes
Catarina Prelhaz
Um em cada três moradores morreu ou mudou-se e em
dez anos o número de casas vagas na cidade subiu
mais de 61 por cento
Aqui já morou gente, mas agora cheira a humidade e
ao bolor que se tece pelas paredes. E cheira ao lixo
que barra as lajes à entrada da porta e ao estuque
que neva sobre as traves de madeira que atapetam o
chão. A derradeira residente do número 93 e de toda
a Praça D. Pedro IV, em Lisboa (vulgo, Rossio), vive
na Ericeira desde a morte do marido e só regressa às
temporadas. "Já não há nada aqui, é só um sítio de
passagem." O porteiro do 93 encolhe os ombros,
sorri, lamenta-se e volta a cruzar os braços atrás
das costas.
A vida de toda a praça esvai-se com o escorrer das
horas até sobrarem apenas aqueles que dormem junto
às soleiras. Nas últimas décadas, escritórios e
armazéns, pensões e hotéis foram-se encavalitando
nos restaurantes, nos bancos e nas lojas encastradas
nos pisos térreos, sacudindo dali a habitação. O
cenário está montado: Lisboa tem cada vez mais casas
vazias e menos residentes. Em dez anos (1991-2001),
um em cada três moradores morreu ou saiu da cidade e
o número de alojamentos vagos subiu 61,4 por cento,
perfazendo 14 por cento do total de residências
existentes em 2001, com a Madalena a encabeçar a
lista de freguesias com percentagens acima dos 40
por cento.
Por outro lado, naquele ano, mais de metade dos
alojamentos ocupados estavam sobrelotados e
necessitavam de reparação. Traduzindo por zonas,
oito freguesias, com a Madalena à cabeça (78,3%),
tinham taxas de sobrelotação na casa dos 70 por
cento, e em sete, lideradas pela Sé, mais de três
quartos dos edifícios deveriam ser alvo de
intervenção (em Santa Justa são 78,4%). Os dados da
EPUL e do projecto Estudos Urbanos Lisboa XXI traçam
uma cidade que se esvazia.
Muita oferta, pouca procura
"É fácil pôr à venda, mas ninguém compra", admite o
agente imobiliário Francisco Rodrigues. Segundo um
estudo conjunto Imométrica/Lardocelar.com a que o
PÚBLICO teve acesso, em 2006, uma habitação na
freguesia da Madalena levava, em média, 11 meses a
ser comprada, sendo que o custo do metro quadrado
rondava os 2456 euros. E dos 106 alojamentos à
venda, apenas 29 foram retirados da base de dados,
sem que tal signifique que tenham sido adquiridos.
"Com estes preços não é de espantar que as famílias
se acumulem ao longo do IC19", lastima um dos sócios
do armazém de lanifícios do número 18, Jorge
Gonçalves.
O geógrafo João Seixas dá outros números: dos 40 mil
fogos devolutos de Lisboa recenseados pelo INE em
2001 (estima-se que, à data, existiriram à volta de
70 mil), cerca de dois terços estavam em "condições
de habitabilidade". "São alojamentos que não estão
ocupados porque simplesmente são vistos como activos
financeiros: os proprietários esperam vender sempre
por mais dinheiro", esclarece. "O mito do devoluto
em casa degradada é apenas uma parte da questão."
"Como é que querem trazer para aqui os jovens? Será
que alguém quer viver nesta miséria de ratos e
baratas?", lança Jorge Gonçalves.
"Os edifícios necessitam de ser regenerados e os
proprietários não têm incentivos para proceder a
essa reabilitação", constata o presidente da
Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação
Imobiliária de Portugal, José Mendes Macedo. "As
pessoas preferem esperar para ter casas devolutas do
que estar a alterá-las enquanto os inquilinos lá
estão, com rendas baixas", explica. Mas a legislação
estipula a obrigatoriedade de execução de obras de
reparação no mínimo de oito em oito anos
(Regulamento Geral das Edificações Urbanas, de
1951).
"A degradação do património deve-se à falta de
cumprimento da lei, mesmo por parte do Estado e das
autarquias, e ao desleixo da administração central e
local e dos proprietários", advoga o presidente da
Associação de Inquilinos Lisbonenses, Romão
Lavadinho.