Correio da Manhã - 16 Dez 06

Debate: Que importância tem aprender a pensar?
A Filosofia faz falta do Direito à Matemática

Edgar Nascimento

 

Nas aulas, falar de filósofos é ser uma velha excêntrica”. Foi desta forma que a antropóloga Rosa Maria Perez resumiu ontem o estado do ensino da Filosofia no sistema de ensino.

A cientista foi uma das personalidades convidadas pelo departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa para o debate em torno do papel da Filosofia na sociedade actual, numa altura em que a disciplina não é obrigatória no 12.º ano nem será prova de acesso ao Superior.

Rosa Perez frisou que “o exercício de pensar as realidades não se pode prescindir no ensino da Antropologia”. Já o neurologista João Lobo Antunes condenou o “achatamento, alisamento do Secundário” e considerou um “atentado perigoso” a diminuição da importância da Filosofia nos currículos, “A formatação do ensino é uma ameaça perigosa”.

O físico Carlos Fiolhais considerou que a Filosofia “ensina a pensar bem” e comparou a disciplina dos pensadores à Física. “Estão a riscar a Filosofia dos programas escolares, o que é muito grave, mas não está só. O mesmo se passa em Física, cujo exame não é obrigatório para entrar nos cursos.”

Fernanda Palma, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, indicou que o direito à Filosofia poderá ser um “direito à liberdade de pensamento”. A docente e juíza do Tribunal Constitucional referiu que “não resultará da Constituição o direito de escolher a Filosofia, mas poderá haver o dever do Estado de criar condições a um pensamento criativo e livre”. Por isso, disse, os juristas poderão começar a falar em “direito à Filosofia”.

O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, Nuno Crato, considerou que há três disciplinas chave na formação do cidadão: Matemática, Português e Filosofia. Crato criticou a “teoria pedagógica” dos últimos 20 anos. “Parece que nada tem valor, mas as disciplinas têm objectivos por si próprias.” O matemático considerou que o Ensino Superior deve aproveitar a Filosofia para “formar pessoas com cultura geral, para se adaptarem ao mercado de trabalho”.

FIM DE EXAME PODE DITAR "APAGAMENTO"

O Ministério da Educação decidiu acabar com o exame de Filosofia do Secundário, que constituía prova de acesso a mais de 350 licenciaturas. A recusa do exame “põe em perigo o ensino da Filosofia no Secundário e no Superior. As escolas já deixaram de ter a disciplina no 12.º, desde que deixou de ser obrigatória”, acusou José Gil, filósofo que foi considerado em 2005, pela revista francesa ‘Le Nouvel Observateur’, um dos 25 pensadores mais influentes do Mundo. Gil considerou um “desprestígio mortífero” para a Filosofia o “apagamento” a que está a ser votada nas escolas: “Os alunos deixam de ter interesse”, lamenta, avisando para o “degradar do ensino” que se avizinha, se os currículos deixarem de contemplar a disciplina.